SOLIDÃO
O Robot 718 tentava cortar atabalhoadamente a relva. Era óbvio que o 718 nunca fora concebido de raiz para cortar a relva! E a sua unidade de IA (inteligência artificial) tentava o melhor que podia desincumbir-se da tarefa. Se Ema pudesse ver agora o seu jardim! O jardim no qual gastara todo o seu imenso tempo livre. Ele nunca percebera nada de begónias, nem de tulipas e sempre considerara as roseiras uma espécie de silvas que dáo flores bonitas. Sentia falta da sua Ema!
Agora havia um enorme jardim mal cuidado em frente da casa com uma relva mal aparada, remendada como a vida.
Sputnik o planeta habitável à volta da estrela NCS1054, era o seu lar, um lar imenso, esquecido das rotas comerciais, e onde só as naves do Império passavam para cobrar impostos, levar uma ou outra mercadoria necessária e recolher um ou outro mineral, ou planta que justificasse o desvio. Em tempos Sputnik fora mais importante. A sua produção mineral de gemas semi-preciosas fizera dele um eldorado para todos os desejosos de enriquecer rapidamente. Mas as gemas esgotaram-se depressa, levando consigo os ganaciosos. Deixaram o planeta todo para ele e para a sua Ema. Ele fizera da joalharia a sua arte, e Ema dedicara-se às plantas. A sua arte ainda era apreciada, e continuava a ter Clientes, mas cada vez em menor número. Os robots cuidavam da horta, dos animais, da manutenção e da extracção das gemas. Era tudo automático, igual à sucessão dos dias.
Depois da morte de Ema engordara, desleixara o trabalho. Sentia um impreterível apelo pela comida. Em especial coisas doces. Na tele consulta com o seu médico, este explicara-lhe que o corpo cria necessidades físicas para as suas perturbações emocionais. Como não havia de ter perturbações emocionais? Morrera-lha a esposa, a sua querida Ema!
Dedicara-se mais ao chat Uninet, e nas janelas enormes que eram afinal écrans, chamava imagens transmitidas por webcams de lugares longínquos. O Universo encolhera enormemente pela acção de alguns gestos que ligavam tudo e todos numa enorme teia. Sentia-se o centro do mundo, falando com amigos em Fomalhaut, e outros planetas. A sua base de dados tinha milhões de contactos, e era-lhe impossível lembrar-se de todos, mas ainda assim lhe faltava algo naquela utopia do novo mundo.
Sim faltava Ema, mas já antes de Ema partir aquela sensação lhe andara a vaguear no peito e a encurtar a respiração, como se respirar lhe magoasse as costelas!
Deu por si a pensar na última vez que se embebedara em companhia de amigos, ou abraçara alguém. Quando Ema morrera, o enterro foi feito por andróides e mais andróides, todos os que tinha e deviam ser alguns milhões! Mas nenhum contacto com um sorriso, ou um abraço, ou um olhar... Só as suas lágrimas.
Olhou o céu e este era de um roxo vivo. Algumas aves voavam por ele em arabescos negros. Mais um dia que chegava ao fim. Mas não era o fim do dia que o tornava melancólico, mas a ausência, uma profunda ausência...
Dirigiu-se à máquina de chat, ligar-se-ía com Leónidas o seu amigo de Bondurant a cidade do planeta Amarelo. Leónidas era o que chamaríamos um filósofo: Discutia sobre nada, com o ardor de quem discutia cosmogenias. Ele saberia compreendê-lo, e dar um nome ao que sentia.
Ligou o video e o audio do chat e Leónidas apareceu:
-- Leónidas, as noites parecem-me mais longas agora, já antes pareciam, mas bastava olhar Ema dormindo, para serenar e acabar por adormecer também... O que é isto Leónidas?
Os olhos de Leónidas feitos de micro-LEDs como que relampejaram resultado do intenso esforço da sua unidade de IA super avançada. Sorriu, e comentou com a sua voz suave e tranquilizadora:
-- Não será solidão?