06 novembro 2003

O Barco à Vela



Sou um apaixonado pelo mar! E sempre sonhei em um dia ter o meu barco. É verdade que sonho muito, e que tenho tido muitos sonhos. Infelizmente é raro vê-los tomarem forma, creio que é por isso que a estes desejos impossí­veis costumamos chamar sonhos. Mas meus amigos, quando vocês dão de caras com os vossos sonhos, é quando realmente o drama começa.
Conheci a mulher da minha vida numas férias no Algarve ao olhar os veleiros na marina. Conversamos, tentamos, mas sabia que era um sonho. Não por causa dela, mas por minha causa. Sem fortuna pessoal, sem beleza particular, sem sequer aquela lábia que é própria dos que nada mais têm. Nada. O mais completo nada, a não ser sensibilidade, bom gosto, simplicidade.
Sou daqueles homens que podem ser amigos de toda a mulher, mas nunca serão amantes. É uma espécie de sina, ou melhor, de maldição.
Creio que é por isso que gostava de ter um barco à vela, para me tornar navegante solitário e ir ao acaso por aí­, afastando-me de todos os portos para não ter tentações de procurar mulher. Dizem que os marinheiros têm uma em cada porto, mas eu só podia arranjar uma mágoa em cada porto!
E se tivesse um veleiro, não era para os mares tranquilos que rumaria. Se fosse para aquelas ilhas tipo paraíso, corria sempre o risco de encontrar uma Eva e de descobrir que não me chamava Adão. Não, iria antes ao encontro de todas as tempestades e desejaria desafiar o vento e o mar, na minha insignificância, neste drama de apenas ser amigo!
Quem sabe talvez as tempestades e os ventos e as marés, ficassem meus amigos também!
É significativo ser um barco à vela. Porque toda a minha vida vai de vela! Empurrada pelos ventos que não domino. O que se torna pesado são os sonhos que ainda transporto e que gostava de lançar borda fora, como Âncora. Não para que me segurassem na vontade de partir, mas para cairem até ao fundo, onde me esquecesse deles de uma vez!
Não tem problema andar à deriva no mar, não há nenhum porto que queiramos alcançar! Assim são os sonhos que transportamos e que têm apenas o condão de nos querer afogar! Afogar em lágrimas ou no mar, é quase igual, salgado em ambos.
Deixem-me partir. Cansado vou no vento, para onde o vento me levar.
Vai tudo à vela... No barco à vela...