25 novembro 2003

O toque de Midas


Era sempre assim, a mesma sensação, quando o amor terminava. Ele apenas era capaz de ter amores sem saída, nenhuma saída, todos fadados ao mesmo destino de acabar. Era persistente, uma persistência doente, de insistir em amar, amores fúteis, amores impossíveis, amores castrados, amputados. Amores que gangrenavam, naquela angústia de tentar fazer que durassem mais um pouco. Não importava que amor fosse! Tanto fazia que fosse o amor de paixão, o amor de amizade, ou até mesmo o amor a Deus!
O seu amor era geneticamente imperfeito, sempre condenado a ficar a meio, incompleto. O que lhe enchia a alma depois de uma dor, que não tinha nada de físico, mas o inundava até à sufocação.
Tentara muitas vezes, tentara milhares de vezes. Tentara com coragem e com medo. Tentara com sinceridade e com hipocrisia. Tentara, tentara sempre, e o resultado fora sempre igual.
Por isso, ao invés de amar, tinha-se deixado amar. Mas não era o bastante. A sua carência era como um cancro dentro dele a crescer, para o destruir. Queria abraços, e beijos e carícias, palavras doces! Queria amar como quem respira.
Aos poucos curvara-se como se uma fatalidade o empurrasse sempre para baixo, até ao pó, como se a terra o reclamasse seu. E era, um pó, um pó sem importância, no meio de todas as coisas mais importantes. Um pó que se limpa com um pano e se sacode fora.
Sentia-se sacudido da vida, como se fosse um saco que se despeja.
Já não lhe importava nada que fosse isso. Não tinha a mínima importância. Tudo o que restava nele à medida que se esvaziava, era aquela vontade de amar, de amar, de amar! E tudo lhe escapava por entre os dedos, como se fosse areia ou água. Ninguém para amar, para se deixar amar, com o calor do vulcão que rugia dentro dele. Ninguém para amar da forma doentia com que amava, até à exaustão, ao limite, à agonia de não poder amar mais.
Queria compreender a sua doença, e ninguém ajudara. Talvez amasse porque nascera prematuro e sentira a falta da pele macia da mãe. Talvez amasse porque se sentia inútil e apagado no anonimato das nossas vidas quotidianas, e amar o fizesse sentir útil. Talvez amasse como suprema forma de egoísmo! Meu Deus, que miséria de humano!
Ou talvez aquela dor, fosse o merecido castigo de ser uma nulidade, que nenhum amor poderia resgatar! Que só a terra ao puxá-lo para si, ao encurvá-lo, pudesse compensar. Talvez fosse um monstro, não no físico, mas ode é mais estranho na alma! Na mesma categoria dos psicopatas e dos perturbados.
Teria de desistir de amar. Desistia sempre... Naquela amargura de saber que amar nele era um exercício vão. Totalmente em vão.
E Deus? -- Perguntarão. Talvez Deus sinta uma agonia igual ao olhá-lo, nas suas tentativas frustradas de amar. Na sua falta de critério, no seu estrabismo emocional, na sua instabilidade. Deus, pode apontar um caminho, mas como pode ele caminhar nele, se olha para os pés, encurvado? Como pode ajudá-lo, se ele não sabe amar? Se ama as pessoas erradas, que nada lhe dizem, que se calam no seu silêncio e se limitam a ser amadas, sem qualquer interesse nele? Ou até mesmo sem darem conta do seu amor? Deus não pode mandar anjos aquem olha sempre para o chão. Deus não pode forçar ninguém a seguir um caminho que dá vida. Deus não pode forçar os idiotas que amam sem tino!
Ele não sabe porque é assim. Não pode saber, porque está demasiado entretido a amar os outros, à procura de quem queira ser amado. A sofrer a dor de ficar vazio, lançador de sementes ao vento, que nunca darão flores para ele. Serão sempre outros a colhê-las em algum lugar. É amargo, amargo, como o toque de Midas!