07 novembro 2003

Esquecido



Por entre as brumas do tempo, alguma coisa se dilui. É como a água que cai no guache ainda húmido e desliza construindo outros caminhos que distorcem os que lá estavam. Sei de um tempo onde as coisas tinham outras cores. Eram mais suaves e as águas eram mais cristalinas. Agora são só águas turvas.
As relações entre as pessoas alterararm-se, diluem-se. Os caminhos já não são suaves, há demasiados sobressaltos, meias-tintas ou então cores carregadas. Não se percebe muito bem o que ao certo as une. Talvez a incerteza e agora é sempre com medo que há entrega.
As coisas belas são sempre simples, por isso este mundo é tão feio. Será que ainda sabemos dizer: 'Amo-te!'?
Há um tempo em que lembro que dizer 'Amo-te' queimava os lábios e fazia o coração pular mais rápido. Hoje 'amo-te' é um adereço, na mesma categoria do baton ou do rimel.©Até mesmo a lingerie se tornou mais importante. 'Amo-te' deixou de ser simples.
E agora os amores eternos são os amores que já morreram.
Olho esta tua fotografia de há muitos dias. De então para cá as cores diluiram-se. Na vida carregaram em tons mais intensos, pesados. Alguma coisa chega ao fim e simplesmente tem de ir embora. Tenho medo do futuro. Medo porque nada mais é simples, e dizer-te 'Amo-te' estremece-me o peito e faz doer. Os teus adereços espalham-se na minha memória, e o que era substancial, deixa-me vazio. Um oco no peito que nada consegue preencher. Não compreendo porque tens de partir. Não quero compreender...
É como a memória ténue das coisas que não esquecemos ainda por completo. Sabemos que deví­amos recordar algo, mas falta-nos esse algo. É só uma sensação de ter havido alguma coisa. Talvez uma flor, ou uma taça de champagne nalgum dia especial. Talvez fosse um brilho no teu olhar...
Não sei, não consigo mesmo lembrar das coisas boas que houve entre nós. Elas apenas tornam mais dolorosa esta partida. Diz a velha máxima: 'No amor não há temor.'
Tenho tanto temor! Acho que devo ter esquecido alguma coisa...