09 outubro 2017


Só eu me basto a esta solidão que me transforma numa ilha rodeada de gente por todos os lados. E mesmo assim só, olhando firme o horizonte que se estende quietamente diante de mim e a que chamam futuro.
Só eu me basto a este calor breve no meio da neve. Como tristes icebergs que se vão afastando dos pais e rumam no mar da existência, onde aos poucos nos vamos diluindo. Passando de uma rigidez juvenil à flacidez dos dias finais. Só o tremor permanece.
Só eu me basto a este despertar em que me mantenho pelo receio de não ter aprendido nada e chegar o sono eterno, que nos faz esquecer tudo, com uma rapidez maior do que alguma vez pensámos. Na morte de cada um, enterram-se memórias irrecuperáveis. E a vida é só memória.
Só eu me basto como a luz tremeluzente da vela a rasgar a noite escura. No percurso entre o nada e o oblívio, riscamos cintilantes o céu. E mesmo que haja uma infinidade de sóis, a escuridão é o nosso quinhão.
Só eu me basto na tentativa inglória de me compreender. É a fundamental incompreensão, que faz de nós estranhos aos outros. Mas o paradoxo exige que para nos compreendermos precisemos dos estranhos, que nos hão-de dizer na cara, coisas que nunca pensámos que pudéssemos ser. Coisas que colidirão com a nossa dissonância cognitiva sempre presente e que por isso nos magoarão de tão clamorosamente evidentes.
Só eu sou uma ilha solitária em voluntário exílio dos outros. Porque há sempre um lugar a que regresso, dentro de mim próprio, onde faço as pazes entre o que sou e o que pensava que era. É preciso tempo para lá chegar e estar. Sair é sempre fácil.
Só eu me basto nesta mudez feita de uma floresta de palavras. Crescem as árvores silenciosas e abrem os braços ao encontro da luz, alimentam-se de sol e produzem sombra refrescante, numa folha de papel a traços negros. Às vezes é terapia.
Só eu me basto nesta dança sem música das rotinas diárias. Coisas repetidas porque a vida é ciclo que nos acaba por fartar e onde saímos carregados de tédio, cansados do rodopio.
Só eu me basto quando nada é bastante, nas misérias de ser.