O Anjo
Sentia-se, naquele dia meio nublado, como uma gota de chuva à espera de um raio de sol.
Sentara-se na mesa do café, e sem saber bem porquê viu-se a lembrar emails que lhe enviavam sobre os anjos. A maior parte era apenas lixo piegas a entupir-lhe a caixa. Outras eram correntes de emails a darem a volta ao mundo, prometendo a quem não quebra-se a cadeia, felicidade sob as mais diversas formas. Sorriu, o que nela era raro, na angustia de ver passar os dias e sentir-se mal-amada. Queria tanto um amor daqueles de virar uma vida do avesso, um vendaval de paixão e alegria. Começou a pensar que os anjos eram só nos emails e que o bom Deus devias estar demasiado ocupado com os males do mundo que cada vez eram mais, para ter tempo de se preocupar com o seu drama pessoal e secreto. Olhou o reflexo de si mesma no tampo brilhante da mesa de café e afastou o olhar. Sentia-se o patinho feio, e achava que nunca passaria disso mesmo.. Levantou os olhos para fugir de si mesma, e dos pensamentos amargos que a assaltavam. E foi nesse olhar fugidio que bateu com o olhar no sujeito em frente a si. Nem dera conta que alguém se sentara na mesa ao lado, mas ali estava ele. E quando os seus olhos se encontraram, ele sorriu.
Era um sujeito de meia-idade, elegante, sorriso largo, umas entradas generosas. E quando falou, a voz era suave, calorosa e agradável:
-- A menina desculpe, mas talvez me pudesse dar uma informação...
Ela não queria conversa, nenhuma conversa, mas sorriu sem saber muito bem porquê:
-- Se puder ajudar...
-- Acho que pode, -- disse o sujeito, sem deixar de sorrir, e tinha uns olhos de um castanho profundo e expressivos -- será que me podia dizer onde é a Rua da Felicidade?
Ela deu uma gargalhada, tão expontânea, que pôs a mão na boca e encolheu-se de vergonha ao ver que todos tinham olhado para ela! O sujeito riu mas mais baixo, e disse:
-- Já estou a ver não acredita que tal rua exista! É sempre a mesma coisa... Mas se houvesse o que acha que encontraríamos lá?
Ela percebeu que talvez o sujeito não quisesse saber rua nenhuma, e apenas fosse uma nova forma de engate. E sentiu-se desejada, cobiçada, e isso encheu-lhe o peito. Pena que o homem fosse de meia-idade apesar de simpático! Mas estava curiosa e continuou no jogo:
-- Pessoas.
-- Não devíamos encontrar muitas, pelo qu ese vê hoje em dia. -- disse perdendo o sorriso.
Ela mergulhou nos seus pensamentos e também o brilho que havia nos seus olhos se esbateu.
-- Acredita na felicidade? - perguntou o sujeito com um novo sorriso.
Ela decidiu jogar à defesa:
-- E o senhor, acredita?
-- Chamo-me António... -- disse ele -- Pode tratar-me por tu. A diferença de idades é uma convenção. Um dia todos teremos a mesma idade...
-- Como assim?
Ele sorriu, mas não respondeu.
-- A felicidade não é tropeçar numa lâmpada e sair de lá um génio. Não tem que ver com a sorte. Tem que ver com decisões. O que somos é resultado de todas as decisões que tomamos, e quanto a isso, nada podemos fazer agora. Mas podemos tomar decisões agora que determinem o que queremos ser amanhã.
-- Acredita nisso? Não acha que pra tudo é preciso, sei lá... alguma sorte, uma boa estrela, não sei!
Ele sorriu de uma forma simpática, compreensiva. Não aquele sujeito não andava no engate, talvez lhe quisesse pregar um sermão! A ideia encheu-a de terror. Mas o sujeito calara-se e olhava para ela, sorrindo.
Ela riu-se:
-- O senhor é feliz?
-- Sou.
A resposta afirmativa, segura, tranquila, fê-la olhar longamente o homem. Tão longamente, que os seus olhos tiveram tempo de ficar húmidos. Ela não se sentia feliz, achava que nunca iria ser realmente feliz.
O sujeito, disse-lhe meigamente, quase num sussurro:
-- Tu também vais ser, mas precisas de acreditar nisso!
Nem reparou que ela o tratava por tu, sorriu-lhe apenas e não disse nada. O homem levantou-se, e já de pé disse-lhe:
-- Fica aí mais um pouco. Eu tenho de ir, e pago-te o café. Faço questão. Mas não esqueças nunca, precisas de fazer a tua parte Além disso hoje, o bom Deus quer dar-te um presente...
Ela ficou embasbacada com as afirmações e nem sequer conseguiu esboçar um protesto ou fazer uma pergunta. O sujeito pagou no balcão, voltou a olhar para ela, sorrir, fazer um aceno e sair. E quando ele saiu, entrou ele e olhou para ela, fazendo o seu coração pular. Ele viu-a e dirigiu-se à mesa dela:
-- Posso sentar-me aqui contigo, se não te importas?
E o sol rompeu, e na gota de chuva fez um arco-íris!