19 novembro 2003

Caminhos



Caminho pelo passadiço sem rumo. Que interessa? Haverá um rumo, mais certo que os outros rumos? Porque se um está certo, todos os outros estão necessariamente errados? E se todos estão certos haverá a noção de que pelo menos um deles não seja tão certo quantos os outros?
Ligou o rádio, para ouvir alguma coisa, na velha nave de carga. Ligou os altifalantes na zona da tripulação e ouviu o ar encher-se de acordes musicais. No vazio cósmico não há som, por isso ele metia música, para afugentar qualquer vazio. Dos mil e duzentos tripulantes da nave de carga, só ele devia estar acordado. O resto dormia um sono criogénico, até ao próximo porto. Tinha tempo para pensar. O Universo tão grande, e as interrogações continuavam a ser maiores do que ele!
Olhou os diversos écrans da ponte, que fieis desenrolavam as anomalias todas detectadas enquanto ele estivera dormir. Nada de grave. Coisas de rotina. O Universo sabe ser bem comportado e prevísivel.Desde que a humanidade saltara para o espaço este nunca deixara de surpreender, mas depois de tantas surpresas aprendera-se sempre alguma coisa. Ou talvez não...
Lembrava-se da corrida pelos planetas distantes, agora já tudo era conhecido e não havia corridas, só naves como aquelas numa rotina pacata de transportar coisas de um lado para o outro, como se o Universo fosse uma grande casa desarrumada. Andava por ali, nunca assentara e sabia de famílias que haviam nascido, casado e morrido em naves de carga como aquela. Eram em si mesmas um planeta em órbitas sempre diferentes, ou talves nem isso. Perguntou-se para quê? E voltou ao seu problema dos caminhos. Haveria algum mais certo que os outros? Ou o problema estaria mal formulado, e o importante fosse criar um caminho e não qual devia ser percorrido?
Só para se divertir decidiu expor o problema ao computador principal, com a sua unidade de inteligência artificial avançada. O computador afirmou que para um caminho ter sentido, devia ter um ponto de partida e um ponto de chegada. O percurso devia ser rápido, económico e seguro. (Não se esqueçam que era uma velha nave de carga!) E partindo destes pressuspostos, certamente haveria um caminho que seria melhor do que todos os outros. O computador desfazia as suas lucubrações filosóficas, com uma crueza lógica. Mas se na vida havia esse caminho, ele com certeza ainda o não encontrara. Continuava a vadiar no cosmos em rotas conhecidas.