24 novembro 2003

A Solução (a)Final


A panaceia viera mesmo a tempo! O desemprego atingira números catastróficos impondo uma sobrecarga aos meios de segurança social insustentável. Não havia dinheiro para suportar as necessidades daqueles que por fatalidade económica haviam ficado privados de emprego, logo dos meios de subsistência, logo de dignidade. Eram supérfluos! Eram apenas consumidores de recursos, num mundo em que 90% da riqueza estava nas mãos de 10% da população. Que futuro, para estes indesejados que faziam aumentar os impostos?
As ruas enchiam-se de vasculhadores de caixotes do lixo na noite da vergonha. De cartões nas estações de metro, onde se embalavam sombras humanas. Que saída haveria para este caos? Diziam alguns demagogicamente que eram todos uns malandrões que haviam muito trabalho, mas onde estava então esse trabalho? O Estado tinha promovido algum trabalho ocupacional, eram apenas meia-dúzia de desempregados em repartições fazendo actividades sem significado. Apenas uma outra forma de humilhar gente produtiva. Era inescusável, não havia mesmo trabalho para todos!
Fora primeiro a reengenharia, depois o terrorismo, depois a luta pela produtividade. A geração de milhares de desempregados. O resultado era fazerem-se coisas, com cada vez menos gente. Havia gente a mais para o mercado de trabalho. E era insolúvel.
Foi então que os mais ricos países do mundo, decidiram juntar-se em cimeira, e apresentar através da ONU a solução do problema: A colonização da Lua! As grandes multinacionais de imediato patrocinaram a ideia,e campanhas foram realizadas de modo a convencer as pessoas da nova oportunidade! Muitos comparavam a ideia, ao movimento que ocorrera na Europa em direcção à América e que abrira para muitos oportunidades sem fim. Os Estados deram prioridade aos mais desafortunados, pagando as viagens e todo o processo de instalação dos primeiros colonos na Lua. Os pobres não desconfiaram que a esmola era grande demais!
Toda a gente parecia feliz com a ideia! Os vasculhadores de lixo, e as sombras de cartão no metro, iriam agora produzir algo de útil e sair da vista dos privilegiados. Os especialistas em colonização espacial, garantiam que a vida na Lua, era totalmente execuível, com um elevado grau de autonomia da Terra. Seria uma lua-de-mel! Os primeiros lançamentos de space-shuttles, transformados em autocarros rumo à Lua, foram transmitidos para todo o mundo em directo. Tudo parecia certo e bom, havia lágrimas de felicidade e de saudade, nos rostos dos que ficavam, e nos rostos que partiam. Assumia-se a despedida para sempre!
As mensagens de email dos colonos na Lua, as suas mensagens de vídeo, pareciam ser tão semelhantes e cheias de lugares comuns. Tudo parecia correr demasiado bem aos colonos na Lua, aumentando a apetência de todos os amargurados de alma, por essa espécie de Paraíso selenita. Lembrei-me do meu avô, que me contara uma história semelhante, de coisas que luziam, e não eram ouro.
Houvera umas crises alimentares, e carcaças de gado suspeitas de terem a chamada doença das 'vacas-loucas', tinham sido colocadas em baldes plásticos e estavam a ser queimadas nos fornos das cimenteiras. Muitos baldes, tantos baldes! Um dia, um empregado, certamente por azar, deixara cair um balde e este rebentara, deixando ver uma cabeça humana... Foi tudo adequadamente investigado, e foi transmitida a ideia de que fora um assassinato macabro. Sem mais repercussões.
Pensem o que quiserem, eu ainda vasculho os caixotes do lixo, fugindo da polícia, que tem ordens para prender e enviar para a Lua, todos os sem-abrigo ou indigentes. Hoje em dia, até os doentes mentais são enviados para a Lua, dizem que descobriram que o ambiente lunar provoca serenidade, e que descobriram lá novas drogas para tratamento psiquiátrico. Mas ninguém pergunta porque não seria mais razoável as drogas serem trazidas da Lua para a Terra, do que enviar os doentes para a Lua?
Quem esquece o passado, está condenado a repeti-lo. A história repetia-se de novo amarga e negra.