11 novembro 2003

O Cardo

A onda desfaz-se na base da falésia como os sonhos de encontra a realidade. Amei-te. Juro que te amei com todas as minhas forças, ou mais do que isso que te amei até me sentir esgotada, completamente esgotada. Mas que foi isso para ti? Tu eras rocha dura. E que te apoquentava que igual à onda viesse vez após vez declarar-te o meu amor? Não me respondes? És mesmo um calhau com olhos, porque não tens boca. E quando falas, É como se destapassem uma fossa, e o que mais ficamos a desejar É que a tapem; que te cales! Estou cansada demais para suportar a agonia do teu silêncio, que cobre os dias como um sufocador manto pesado. Não partilhas nada. Como se eu não fizesse parte da tua vida. Ainda pior: Escutas com os olhos ausentes em qualquer garrafa de cerveja. Ouves-me como quem escuta o ladrar impaciente dos cães, e com o mesmo jeito mandas-me calar. Mas que calhau com olhos És tu, para me mandar calar? Estou farta do teu ar de macho a despropósito. És apenas um garoto que cresceu demais. Mas nem És um garoto que valha a pena. És daqueles que apenas vive, porque está vivo. Que vida É a tua? Que raio queres fazer com ela? Pari um filho para ti. Honra te seja feita: É a única coisa que fizeste de jeito! E mesmo isso lamento dizê-lo, se deve a mim! Sim a mim, minha besta quadrada! Porque sem a minha colaboração, tenho a certeza que nem isso serias capaz de fazer de jeito! Olha, não fiques muito convencido, És um fraco amante: Possuis-me como quem cumpre um ritual. Mas fazê-lo com o requinte do homem pré-histórico. Quantas vezes te pedi, que queria que me beijasses, dissesses palavras bonitas no meu ouvido? Mas tu És de atar e por ao fumeiro! Cinco minutos depois já estavas a roncar! Que sabes tu de amor? És um animal, mas acho que um cão faria melhor do que tu, ao menos saberia lamber! Ficas admirado que esteja farta de ti? Como consegues ficar espantado com alguma coisa? Quebra-te o devir cíclico e remançoso do passar dos dias? Quebra-te a alegre monotonia de sair de casa e voltar, sabendo que estou á tua espera, que cuidei de tudo o que tu devias cuidar, e que te causa enfado? Amei-te! Amei-te perdidamente, mesmo quando me apeteceu amar outro homem. Sempre fui fiel no corpo, que -- Deus me perdoe! -- em pensamento já te encornei milhares de vezes! Ficas fechado como um búzio ameaçado que se esconde dentro da concha. Podias ser tímido, despretensioso, talvez até mesmo um homem reservado. Mas bolas, eu sou a tua esposa! Uma só carne, não ouviste isso no dia do casamento? Era suposto partilhar mais do que apenas a cama, ou a casa! Deví­amos partilhar a vida! Mas tu És apenas um calhau com olhos. Um lamentável calhau com olhos, que nem sequer vês o que tens! O valor do que tens, e que perdes. Só tu sais a perder. Nem quando te falei da minha decisão de te deixar, te tremeu a mão, ao menos para segurar a minha e dizer: Desculpa! Aceitaste, não por resignação, mas por comodismo, como se lutar por mim, pelo teu filho, fosse constrangedor demais para a pacatez da tua existência que se quer tranquila e remançosa. Quando vais acordar? Talvez acordes agora, mas vai ser tarde. Começo a olhar-te e a sentir nojo. Porque não fizeste qualquer esforço para salvar o barco naufragante do nosso casamento. Metia água, e subias á ponte, daí ­não vias a água a entrar. Não fizeste nada, entendes? Acho que se te sentasses em cima de um cardo, preferias tomar aspirinas por causa da dor, do que levantares-te e arrancares os malditos espinhos do cu! Eu calava-me, numa expressão do meu descontentamento e saías e ias lamentar com os teus pais, ou os teus amigos! Mas nunca comigo! Porquê? Não consigo entender e por isso vou embora. Tenho de sair da tua vida, antes que a minha se torne igual à tua, empedernida de sensibilidade, vazia, monótona, sem objectivo ou meta. Até as dí­vidas deixas agora para mim! Como um garoto, a fugir das responsabilidades. Desculpa! Mas para filho, já basta o que me fizeste! Deixo-te sentado em cima do cardo! Passa bem...