01 dezembro 2018

Torrada ou cacete



Blozonov era rico, muito rico, mas não fora por trabalhar muito ou ter algum dom artístico e feito uma brilhante carreira. Blozonov era rico porque como todo o indivíduo que não herda e enriquece, era um ladrão. Não, não um desses pilha-galinhas ou mesmo um habilidoso carteirista ou assaltante de Bancos. Aliás hoje em dia são os Bancos que assaltam. Blozonov fez fortuna como é de regra fazer-se fortuna a roubar o Estado. Quando se deu o colapso da União Soviética, ele “nacionalizou” em seu favor algumas propriedades coletivas, ou seja que pertenciam ao Estado.
É sempre bom, de vez em quando, o Estado andar assim perdido sem autoridade, para que uns indivíduos como Blozonov possam ter uma oportunidade de se tornarem uns oligarcas. Claro que não foi sozinho que o conseguiu, teve de haver umas cumplicidades, uns jogos de cintura e uns idiotas úteis, mas depois tudo se resolveu em seu benefício e à cautela meteu logo algum dinheiro no estrangeiro. O dinheiro não conhece pátria e ficar assim onde se ganhou podia ser a tentação de alguém mais ladrão do que ele. Ou então algum patriota decidido a fazer voltar ao Estado o que dele tinha sido. A sorte de Blozonov foi nesse época gloriosa para todos os candidatos a oligarcas, haver muitos! Alguns até com ainda mais ambição que ele ou vivendo em zonas mais favoráveis e ricas.
Finalmente veio um patriota que lhes tornou as coisas claras: Desde que não fizessem muita merda e não se metessem na política ele deixava-os governar-se com o saque. Mas um pé fora do risco e ficavam sem nada. Alguns tentaram desafiá-lo e com o seu poderio económico quiseram também a parte política. Azar! Processos relativos a fuga aos impostos e rapidamente acabaram na prisão, pelo menos os que não conseguiram fugir a tempo para Londres, que desde que o roubo fosse fora das terras de Sua-Majestade, não se importava de lhes receber as fortunas.
Blozonov ganhara tanto dinheiro que desenvolveu certas bizarrias tão típicas de quem não consegue resolver todas as psicoses que adquire. Blozonov tinha uma relação violenta com os telemóveis. Gostava deles, mas às vezes eles não se comportavam como ele esperava, ou não lhe davam as notícias que ele queria. Ele tinha um mau acordar. Os seus empregados, procuravam não manter muito contacto com ele após o seu acordar. (Acho que é um traço comum a todos os psicopatas…) Mas já se tinham habituado a perguntar-lhe:
-- Torradas ou cacete, Senhor?
Se ele acenasse com a mão queria dizer torradas, mas se abanasse o telemóvel na sua mão direita queria dizer cacete. Um dos seus guarda-costas, neste último caso entregar-lhe-ia um bastão de basebol, enquanto ele lhe passaria o telemóvel para a mão. Depois numa espécie de coreografia previamente encenada, o guarda-costas procuraria lançar-lhe o telemóvel que ele tentaria acertar com o bastão de basebol. Nem sempre lhe acertava e nesses casos, pularia com evidente ataque de fúria, sobre o telemóvel a pés juntos até este ficar irremediavelmente perdido.
Claro que Blozonov usava sempre os mais caros telemóveis. Não por causa das características, que a maioria não usava, mas pelo status que conferiam. A principio os seus empregados observavam a cena estarrecidos mas sem protestarem, não fosse Blozonov usar-lhes a cabeça com o taco! O tempo foi passando até que algum deles se lembrou de trocar o telemóvel novo por um que já antes tivesse conhecido destino semelhante, enganando Blozonov que pensava estar a largar a sua fúria no telemóvel culpado e não num que já havia sofrido semelhante sentença. Assim todos os empregados acabaram a ter telemóveis de topo de gama, coisa a que com os seus magros salários nunca poderiam chegar. Blozonov era rico, mas capitalista convicto e por isso nunca pagava salários altos. Depois os empregados compravam umas capas para disfarçar e a coisa tinha corrido bem, com benefícios para todos os envolvidos. Blozonov também era ligeiramente míope, mas recusava-se a usar óculos ou lentes de contacto o que também facilitava.
Mas quis um dia que um empregado menos dotado de inteligência, lançasse um telemóvel com uma capa cor de rosa. Blazonov nunca usaria um telemóvel com uma capa cor de rosa e de imediato reconheceu que ali havia qualquer coisa fora do lugar.
Felizmente um outro empregado, mais dotado de cérebro e anterior carteirista, apanhou rápido o telemóvel de capa cor de rosa, trocando-o pelo de Blozonov e que tinha sido temporariamente safo do martírio. Blozonov olhou para o telemóvel que lhe foi entregue reconhecendo-o como seu mas perguntou:
-- Então e qual era o cor-de-rosa que vi?
-- Era o meu… -- disse o empregado carteirista – Sua Excelência deve ter visto o meu.
Blozonov continuou na dúvida, mas já tinha o seu telemóvel na mão e sem apelo nem agravo decidiu executar-lhe a sentença, colocando-o em cima da mesa e mandando-lhe uma tremenda tacada que o fez entregar a alma e as tripas. A chávena de porcelana e o pires que estavam sobre  a mesa para o pequeno-almoço, em solidariedade também saltaram e acabaram em cacos no chão.
Criaturas como Blozonov tem este dom de fazer tudo em cacos.

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