Uma vez na savana africana veio
uma seca terrível que condenou à morte muitos animais. Não é incomum a morte
visitar África de muitas maneiras, pelo que se calhar todas as criaturas que
por lá vivem já deviam estar habituadas e considerar como parte normal do ciclo
da vida, nunca morrerem de velhice.
Mas a história que vos quero hoje
contar fala de solidariedade e da mais nobre que é aquela que ultrapassa até as
fronteiras da espécie, e sobre a ingratidão. Uma ingratidão que poderíamos
considerar natural, já que a vida aprendeu há muito que o egoísmo funciona.
Então neste cenário de seca
horrível, uma manada de elefantes sofrendo também com a falta de chuva decidiu
por ordem da sua matriarca ir procurar água. Um dos elefantes observava já por
dias uma leoa esquelética que mal se mexia à sombra das poucas árvores
habituadas a resistir. Não sei qual o pensamento do bicho que nunca privei com
nenhum, mas é sabido que os elefantes são empáticos entre si, percebendo e
procurando consolar-se quando perdem um deles. Fazem luto. Enterram as ossadas
dos seus semelhantes num costume que nós, algures no processo evolutivo
aprendemos a copiar.
Dizia eu que este elefante se
compadeceu da moribunda leoa e se aproximou dela, que rosnou debilmente e sem
convicção, talvez aceitando resignada morrer espezinhada por um elefante
irritado. Mas não, o elefante com a delicadeza dos elefantes, usou a sua tromba
e colocou-a sobre os seus dentes e transportou-a junto com a manada por muitos
quilómetros, muitos dias. À noite, quando a manada parava para dormir, ele
tirava-a dos seus dentes e procurava-lhe uma cama confortável no pó ou nas
ervas secas.
Temos de considerar que os
elefantes são os animais que mais sofrem de “bulling” entre o Reino Animal.
Gozam do seu ar anafado, meio sem jeito, como se o seu criador fosse uma
criança de 3 anos sem grande jeito para o desenho. Aquelas orelhas enormes, a
incapacidade de pularem, o medo que têm dos ratos, a sua tromba… Oh quantas
vezes se gozou com a sua tromba! Só o seu tamanho impõe respeito e mesmo os
leões sabem que embora sejam os reis da floresta, o elefante está fora da sua
soberania.
Apesar do nicho que ocupam, este
gesto do elefante de transportar por quilómetros uma leoa até um local onde
houvesse água, tem de ser designado como sinal de empatia, de abnegação, de
solidariedade e arriscaria mesmo dizer de bondade. Apesar da debilidade de
também sofrer com a falta de água, o elefante fazia o sacrifício adicional de a
transportar. E havia intencionalidade neste transporte, não era uma transferência
como às vezes acontece quando uma mãe perde um filho e adota outro em
substituição. Este elefante ia levar a leoa a uma fonte de água. Os elefantes
são os especialistas nesta questão da água na savana africana, percorrendo
centenas de quilómetros e encontram-na. Naturalmente bichos tão grandes não
teriam sobrevivido sem estes dons particulares.
Chegaram ao leito seco de um rio
que costumava parecer-se com um mar. Andaram por ali a farejar com as trombas e
depois começaram a cavar com as patas e as trombas, o que resultou numa espécie
de poços, onde a água não tardou a acumular-se. Os elefantes dessedentaram-se e
o nosso elefante encheu a sua tromba de água e foi molhar a leoa. Esta recebeu
aquela água como uma bênção e apesar da sua fraqueza conseguiu arrastar-se
depois até à borda da poça que os elefantes haviam criado e com a sua língua
felina bebeu até inchar a barriga. E deixou-se ficar por ali, até que a água
milagrosa lhe trouxesse a vida às células traumatizadas. Lentamente a leoa
sentiu voltarem-lhe as forças e arrebitou as orelhas. Sonhou que tinha sido
transportada nos dentes de um elefante até ali.
E sim, diante de si, a pouca
distância um elefante sereno vigiava sobre ela. Sentiu uma dor no estômago, era
de fome. Com uma presa tão grande ali ao lado não podia perder a oportunidade.
E sem pensar lançou-se sobre o elefante tentando atacar-lhe a tromba. No
entanto, talvez estivesse ainda mais fraca do que pensava e o elefante recuou,
levantou a tromba para evitar as suas garras e urrou numa espécie de aviso. Mas
ela precisava de bifes e não se fazia de esquisita se fossem duros e de
elefante. Tentou rodear o elefante para novo ataque, mas esse foi um erro que o
elefante estava em melhores condições e agarrou-a pelo rabo com a tromba e
fê-la girar no ar duas voltas completas, e atirando-a para longe disse:
-- Vá ser ingrata para a puta que
a pariu!
A experiência tirou-lhe o resto
das forças e a leoa deixou-se ficar onde caíra e o elefante virou-lhe as costas
e foi ter com a sua manada, onde foi recebido com urros de carinho, eu diria
mesmo com felicitações por ter dado uma malha na ingrata.
Conclusão moral: Nunca sejas
ingrato para o paquiderme que te deu ajuda, porque ele te pode dar cabo do
canastro.
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