15 dezembro 2018

A Guerra








As bombas rebentam a toda a volta. Já ceifaram a vida a alguns amigos meus e a alguns companheiros de destino. É uma guerra, sim. Estúpida como todas as guerras. É a guerra das colónias, com a Terra e as suas petulantes nações armadas em impérios. Mas as colónias querem a sua independência, não depender de ninguém. E nasceram assim, como filhas órfãs de pai e de mãe. Cidadãos de segunda e de terceira, como cobaias para experimentarem os riscos de um destino para além da Terra, criados a pontapé e na tentativa-erro. “Vai e desenrasca-te!” era o lema. Agora que conseguimos resistir a tudo, que conquistámos a nossa autossuficiência, querem reclamar o pedaço! É tarde.


Não esperavam que estivéssemos preparados e estão zangados, por de alguma forma terem sido apanhados de surpresa. Mas a presunção traz surpresas desagradáveis. Dominamos melhor o espaço que eles, nós sempre cá estivemos ou pelo menos estamos há mais tempo aqui do que eles, sempre agarrados ao berlinde azul, como o puto às saias da mãe. Nós andámos por aqui a arriscar a pele, a visitarmo-nos uns aos outros da Lua a Marte e mais longe, sujeitos sempre a levar um pedregulho pelo caminho. Se houvesse uma mãe para nós, seria sempre a Lua, de onde saímos para apanhar uns asteroides e recolhermos ainda mais minerais valiosos e outras tretas, porque há sempre tretas em que alguém está interessado e disposto a pagar o preço. Aprendemos a cavalgar os asteroides a laçá-los, como os antigos cowboys faziam no oeste selvagem, a tirar-lhes o que tinham para dar para alimentar um mundo de tratas e a atirá-los com precisão para as armadas patéticas com que a Terra nos quer subjugar. Os asteroides eram a nossa vida, precisávamos deles para sustentar os nossos mundos. Daí que já há tanto tempo que não ajoelhamos! Nem submetidos, nem sequer em adoração a um Deus imaginário. Reclamamos ser o pó que as estrelas espalharam e agora estamos aqui a reclamar que o nosso, que o pó é o mesmo.


Não percebo porque há-de sempre alguém querer deitar a mão ao que não construiu, ao que não plantou. Mas são os genes que se hão-de esgotar no cansaço de não passarem de chimpanzés. Transcendemos, porque quisemos mudar e ascender. Os outros ficaram sempre a esgravatar o chão, como as galinhas, remanescentes pré-históricos que ciscam o chão.


Não queria a guerra. Nenhuma das colónias queria. Mas foi o que nos trouxeram só porque dissemos que “Não!” Mas não quiseram ouvir. Quem tem o poder não sabe, não concebe sequer ouvir um “Não!” Como vivemos no espaço e não há atmosfera, por isso sentem que podem atacar-nos com bombas atómicas. Se não fossem os nossos antimísseis capazes de destruir os deles, a quase maioria desses bichos de morte, teria sido pior, mas bem pior. Se a falta de atmosfera não mata por radiação os efeitos, mesmo assim permanecem, que o resto fica radioativo.


Porque vim parar às colónias? Pelo mesmo motivo de toda a gente, pela oportunidade de ter uma segunda oportunidade, fazer o “reset” na vida e começar tudo de novo outra vez. Foi um sonho, mas agora há aqui um intervalo causado por esta guerra. Não precisava de uma guerra. Ninguém precisa de uma guerra. O que se precisa é de justiça. Alguns não querem justiça, querem tudo.


Agora temos de descer aos subterrâneos que a vaga de mísseis que aí vem, é uma chuva. Estes imperialistas da treta estão dispostos a que paguemos caro pela nossa independência. Mesmo que não ganhem esta guerra, sonham deixar-nos tão debilitados que lhes tenhamos que comprar alguma coisa e assim pagar os custos desta guerra, já que alguém tem de pagar estas orgias de destruição.


Mas estão enganados! No subsolo temos a maioria das fábricas e eles nem sonham a extensão do que criamos aqui por baixo. Vamos mandar-lhes umas surpresas lá para a Terra, para ver se tomam juízo e acordam!


Também tenho de descer aos subterrâneos para descansar um pouco, permitir que as luzes apaguem para poder chorar, o que perdemos, os amigos que deixámos na Terra e que serão recrutados à força para nos vir combater. Nada que se queira, mas a força do império... Tão prolíficos a fazer abundar a morte... E ao sentarem-se nessas mesas onde hão-de assinar tratados de paz, nem sequer vêm o sangue que delas escorre e mancha tudo até ao chão. E filhos da puta de um lado e doutro, psicopatas agora em cargos de poder, congratular-se-ão pelos que morreram, como se os mortos fossem o adubo da prosperidade futura.


Não se ouve nada ao contrário dos filmes que via em miúdo. Mas sinto as vibrações dos mísseis que caem e dos antimísseis que sobem, anunciadores de destruição e caos. Estou cansado, oh tão cansado de morte...

2 comentários:

Arthur Claro disse...

Muito interessante este post, meus parabéns.

Arthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com

Nay duavy disse...

Tão atual cada palavra que parece-nos percorrer a um camminho que não tem mais volta.