03 novembro 2018

Ácido


Às vezes não sei se as pessoas não vêem ou não querem ver. Bem diz o ditado que "maior cego é o que não quer ver"!
Ou aquele outro tão apropriado agora que as multidões seguem qualquer idiota por mais barbaridades que debite: "Em terra de cegos, quem tem um olho é rei!"
E contudo apenas vemos cegos conduzindo outros cegos e ambos caindo num buraco. A cegueira foi crescendo, como previu Saramago.
Uns poucos gritam e avisam, mas são apenas como os profetas de antanho que acabavam no deserto, ou a falar para os peixes ou apedrejados na primeira oportunidade.
Sim que as multidões são acéfalas e se conduzem como as ovelhas a quem um cão conhecedor do ofício ladra, para as conduzir para onde o pastor pretende!
Vivemos uma época que repete a história que afinal ainda não acabou! Um século que ficará conhecido como o Século da Estupidez, das oportunidades perdidas, do retrocesso civilizacional. Haverão sempre os vândalos prontos a destruir a civilização e a mergulhar o mundo nas trevas, como foi com Roma. Antes as civilizações caiam diante de outras, agora só se cai...
Mas hoje é tudo mais global, interconectado, o que significa que a estupidez vem em vagas e cresce, sendo que o nivelamento é sempre feito por baixo. Onde está o grande dique que as torrentes de grunhos querem demolir?

Já não tenho histórias.

As histórias devem contar-se aos ouvidos sensíveis, às criaturas que ainda olham para o alto e se querem transcender e não serem apenas reféns da evolução, da ditadura dos genes, que os obriga a voltar sempre às mesmas estratégias animais, agressivas e egoístas, porque a vida aprendeu há muito, que só o egoísmo sobrevive.

Dizem que as pessoas são pacíficas por natureza. Talvez sejam, mas é fácil estimulá-las ao ódio e à destruição, pelo que esse pacifismo é frágil. Talvez seja um pacifismo egoísta, um não quer incomodar-se. Mas finda a apatia irrompe a besta violenta e sem travão.
Esta falta de travões, com as armas colossais que inventámos, podem levar ao fim da espécie.

Acho que sei agora porque me custa escrever. O amor acabou e sem ele, criar deixa de fazer sentido. Podia escrever para as gerações futuras, dizer-lhes sobre os nossos erros, sobre as nossas fraquezas e grandezas, a nossa curta visão da coisas, a falta de vontade de nos transcendermos em algo maior que a nossa genética. Mas não haverá quem leia, na bronquice galopante do imediatismo, na vontade de uma elite que adora multidões ignaras que de preferência morram antes de se organizar para exigirem um mundo mais justo. Sim, não vale a pena escrever, porque não haverá quem leia e os que lerem, a existirem, serão uma elite que terá vencido e a quem a minha escrita saberá a ácido.




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