13 janeiro 2004

Sem Nome


Por muitos anos Yago foi chamado Planeta X, porque os seus habitantes se recusavam a dizer o seu nome. Os habitantes de Yago não se tratam nunca pelos nomes. O nome de alguém é-lhe dado pelos pais depois de escutarem o seu mestre. Apenas sabem o seu nome que lhe é transmitido da boca do pai ao seu ouvido numa cerimónia que marca a passagem da adolescência à idade adulta. Só depois de saber o seu nome, é que um yagoano é realmente um homem. No caso das meninas é em tudo semelhante, só que nesse caso é a mãe que diz o nome ao ouvido da sua filha.
Os yagoanos acreditam piamente no poder da palavra. Curiosamente acham que a palavra pode mudar montanhas, e que só com um grito dado de acordo com os antigos ritos, é possível matar um homem.
Eles não dão nomes às coisas, embora cada coisa tenha um nome. A sua literatura mais selecta chama as coisas e os personagens por nome, mas esses livros apenas podem ser lidos por pessoas maduras, isto quer dizer que ninguém os lê antes da meia-idade. Eles acreditam que nomear as coisas condiciona-as. Chamar a pessoa por seu nome imprime nela uma direcção, e eles que amam a liberdade sentem que não podem fazer isso. As coisas e os seres devem seguir o seu próprio caminho, e este é ímpar segundo a filosofia yagoana.
Embora uma rosa, seja uma rosa, talvez descubra que para os yagoanos ela é ‘a flor cor-de-rosa de perfume intenso’ ou ‘a flor de suaves pétalas com perfume intenso’ ou qualquer coisa semelhante. Esta indefinição na coisa referida, a ausência de nomeação, fez dos yagoanos um povo de poetas, de músicos, de artistas. São também extraordinários observadores e percebem subtilezas que nos escapam. É de mau tom, perguntar o nome de alguém. Normalmente a única ocasião em que alguém diz o seu nome é na cerimónia de casamento, quando o noivo diz o seu nome ao ouvido da noiva, e esta faz o mesmo ao noivo. Dizer o nome, é um acto de intimidade, de profunda intimidade. Saber o nome de alguém é como ter a chave que dá acesso à alma da pessoa.
Não sei se eles têm razão, nem se não. Acho que isso nem é o mais importante. Afinal sabemos o nome de muitas pessoas e contudo desconhecemo-las em absoluto. Identificar alguém sem nome, obriga a uma atenção redobrada, a outro interesse, a conhecer a pessoa melhor, de modo a identificá-lo pelas suas peculiaridades, pelo que o faz ímpar entre todos os outros. É algo que confere dignidade e profundidade às relações entre as pessoas.
Estou em Yago há 30 anos, estabeleci-me aqui como comerciante, aqui é também aque le que faz a ponte entre as culturas exógenas e a cultura de Yago. Como depreendem para os yagoanos os estrangeiros são uns bárbaros rudes, que tratam tudo por nome.
Hoje é-me concedida uma grande honra. O círculo de amigos aqui em Yago, decidiu que eu merecia um nome, tal como eles têm, um nome secreto, que só eu e o meu mestre (todo o yagoano tem um mestre), saberemos. Eu di-lo-ei a quem me for mais íntimo apenas.
Até agora fui alguém sem nome, um adolescente, finalmente vou tornar-me um homem.