27 janeiro 2004

NISAC20


Vinha a sentir-se mal há vários dias, uma terrível dor de barriga, e sentia-se inchada. Foi ao médico de família e este mandou fazer uma ecografia.
-- Pois é, fica tranquila que não estás grávida... -- disse-lhe o médico.
Ela sorriu:
-- O que é Sr. Doutor?
-- Bem... pelos resultados são quistos... é uma coisa que Às vezes aparece. Só que este quisto está crescido, tem 4 cms. Parece que estás grávida de 2 meses...
-- E o que me aconselha Dr?
-- Acho que está na hora de tirar isto. é o que penso... Mas se quiseres outra opinião, acho que fazes bem.
Ela ficou a matutar nas palavras do Dr e aquilo soava-lhe a coisa séria. Teve medo. Seria um cancro?
-- Sr. Dr poderá ser um cancro?
O médico ficou calado a olhar para ele e depois disse:
-- Não posso dizer... Mas depois da operação e da biopsia, podemos saber.
-- E se for Sr. Dr.?
-- Se for, quanto mais cedo dermos cabo dele, melhor! Temos mais hipóteses quando os descobrimos no início...
-- E o Sr Dr acha que com 4 cms estamos no início?
O médico que se tinha posto de mim para lhe dar a notícia voltou a sentar-se atrás da secretária.
-- De facto num é famoso... Mas não é assustador, se for benigno...Vou receitar-te uma coisa para as dores entretanto. Mas acho que deves pensar na operação o mais rápido possível.
Saiu perturbada e tinha em exames em breve. E aquelas dores horríveis... Saiu com todos os medos possíveis e impossíveis a bailarem-lhe no pensamento.

-- Não, Dr Leonel, ainda não temos os resultados toxicológicos nos primatas... -- respondeu Alex, o estagiário mais recente da Med-Gen, a empresa farmacêutica multinacional dedicada à pesquisa de novas drogas no combate ao cancro. Ele estava a trabalhar na unidade avançada de pesquisa do cancro dos órgãos reprodutores femininos, em especial do cancro do ovário. Trabalhavam na altura mais 5 pessoas na equipa, desenvolvendo uma espécie de vacina para o cancro do ovário. Várias empresas experimentavam esta original linha terapêutica. Tratava-se de vacinar os pacientes contra os seus próprios cancros.
De qualquer forma nos últimos 20 anos a sobrevivência ao cancro do ovário tinha aumentado 5%, e as expectativas para os novos tratamentos eram um aumento de sobrevivência de 15%! O que era óptimo para o cancro que de todos os do órgão reprodutor feminino era o mais mortífero. A terapia mais avançada para o cancro do o vário era o transplante de células estaminais e altas doses de quimioterapia. No fundo era apenas uma bomba para matar mosquitos e reduzir os efeitos colaterais. Pretendíamos algo melhor. Outra estratégia recente, eram os inibidores de proteína kinase que tinham por função desligar um enzima nas células cancerosas e que causa o crescimento anormal. Esta terapia parecia dar bons resultados, mas não era garantia de remissão do cancro. O elemento mais "fora do baralho" da equipa era o Prof. Herberto um apaixonado pela botânica. Formara-se em medicina, depois fizera carreira em oncologia, depois tirou farmácia mas apaixonou-se pela botânica e formou-se também em biologia com especialização em botânica. Estava convencido que a "árvore-da-vida" mencionada na Bíblia no livro de Génesis não era mitológica. Acho que era por isso que era olhado como excêntrico. Era afável, simpático, uma espécie de aventureiro de olhos escuros mas que faiscavam como lume.
-- Nunca mais me arranjam orçamento para ir para a Amazónia Alex... -- desabafou o Prof.Herberto. -- Sendo assim, temos de trabalhar com as plantas da casa! -- E riu-se.
Alex gostava de trabalhar com o Prof. Herberto, e o professor gostava dele.
-- Tinha graça, se a solução dos problemas oncológicos estivessem na grama, não era Prof.?
-- Tens razão meu filho, mas se isso fosse verdade, as vacas eram eternas!
Riram-se os dois. De facto a prova que a vida eterna era possível, centrava-se nas células cancerosas. A sua vitalidade excepcional, mostrava que se fosse possível controlar o seu crescimento, isto é, se essas células crescessem no lugar certo, podíamos ser eternos. Esse era a secreta investigação do Prof. Herberto. Ele não queria combater o cancro mas aproveitar-se dele!
-- Anda cá Alex! -- chamou o Prof Herberto.
-- Sim professor...
-- Aqueles ratos... que tu sabes, como estão? -- O professor referia-se a uma experiência paralela, que ele e o professor estavam a desenvolver. O professor tinha isolado uma substância numa planta, que Alex desconhecia, tinham-na administrado a ratos com cancro.
-- Professor, os ratos estão bem... Aparentemente. Não morreu nenhum, embora os do grupo de controlo já morreram todos. -- disse Alex. O professor sorriu.
-- Tiras-lhes um scan, vê como estão os tecidos tumorais. Diz-me isso logo tenhas os resultados. E... cuidado hein!
Alex sorriu, parecia que estavam a fazer qualquer coisa clandestina. E até estavam! A investigação era completamente desconhecida, e estavam a apontar os resultados nos PCs pessoais em vez de nos servidores da empresa.

Alex não conseguia acreditar nos resultados!
-- Professor!
-- Calma rapaz... -- aconselhou o Prof. Herberto. -- Que é que há?
-- é espantoso professor! Não há células tumorais!
-- O quê?!!
-- é isso professor! -- dizia Alex -- Nunca estiveram tão saudáveis! Fiz análises a tudo, e está confirmado, estes ratos estão cheios de vitalidade, eu diria até mais jovens professor!
-- Tens a certeza que não trocaram os ratos? -- perguntou com alguma ansiedade na voz o professor.
-- Tenho! Aliás eu e a estagiária da sala dos animais damo-nos muito bem...
O Professor sorriu:
-- Temos de testar isto em alguém...

Ela continuava a ter dores de barriga. E tinha medo de ir à operação. Decidiu consultar o melhor médico que havia, deram-lhe o nome do Dr. Herberto. Decidiu ir à consulta.
-- Olá menina... -- cumprimentou afável o Dr.Herberto.
-- Dr. aconselharam-me a ser operada, como vê aí na ecografia, tenho quistos nos ovários...
-- Já vi menina... Tem um quisto grande.
-- Será um cancro? -- perguntou ela com medo na voz.
O Dr Herberto sorriu:
-- Pode ser... -- o Dr. Herberto tinha visto também as análises especiais que mandara fazer e sabia que a miúda tinha mesmo um cancro. Nem precisava de fazer qualquer biopsia! Era uma questão de tempo até as metástases começarem a levar "o mal" a outros órgãos.
Decidiu arriscar:
-- A menina num quer ser operada, não é?
-- Se fosse possível evitar, preferia não ser Sr Dr.
O Prof. Herberto coçou o queixo.
-- Há uma nova substância que a pode ajudar... Mas está ainda em fase experimental. Não sabemos os riscos...
-- Acha que devo Sr Dr?
O professor detestava sempre dar aquelas notícias, em especial quando se tratava de gente muito jovem como era o caso.
-- A menina tem um cancro e este já se começa a espalhar através da corrente sanguínea... é uma mera questão de tempo.
A moça ficou branca, os olhos rasos de lágrimas.
-- Lamento. -- disse o Prof Herberto.
Ela respirou fundo e recompôs-se. O Prof Herberto gostou da atitude.
-- Quanto tempo tenho?
-- Sinceramente não sei... Tudo depende de onde ele vai surgir da próxima vez.
Ela respirou fundo outra vez. O Prof Herberto percebeu que esta não era uma miúda qualquer.
-- Esse seu medicamento novo, dá alguma esperança?
-- Muito sinceramente penso que sim...
-- Posso experimentar?
O Prof Herberto sorriu, a miúda era corajosa:
-- Sim, podemos experimentar.
-- E como se chama esse seu medicamento?
O Prof Herberto nunca pensara nisso! Olhou o nome dela e a idade, e juntou tudo:
-- NISAC20.

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