31 dezembro 2003

Submerso em mim


Havia uma ausência e eu não sabia, mas era eu apenas á procura de mim próprio! Como pode a vida afastar-nos tanto de nós? Por isso sentia este aperto no peito a moer aos poucos como se me faltasse algum pedaço. E faltava!
Faltavam muitos pedaços... Emoç&etilde;es, sentimentos, que se haviam afundado lá bem no íntimo de mim, num medo de despertarem apenas para me magoarem. Agora é região virgem, que tenho de atravessar vencendo o medo das feras escondidas, apenas para descobrir o que é básico que se saiba: Quem somos!
Dói-me a alma. Não porque esteja ferida, mas porque está calada. Calada há tanto tempo e foi enchendo e é agora um mar, um profundo e misterioso mar. Como um explorador, preciso mergulhar cauteloso nesse mundo, que sendo o meu, é como se fosse de outro.
Tenho medo. Seria mentir, se dissesse que não tinha medo. Mas não suporto viver na angústia deste desconhecido. Por mim próprio tenho de ir ao fundo deste mar e voltar. O que descobrirei? Não sei. Espero que não seja outra vez a dor. A dor que me acompanhou tanto tempo, e que me fez rodear o coração de muros, muros que se encheram e se transformaram neste mar. Espero que não seja a crua revelação de que a felicidade me escapou apenas porque tive medo de expor o coração ao amor. E que neste instintivo desejo de o proteger, acabei por o proteger de sentir o que mais queria. Ou talvez descubra uma espécie de daltonismo sentimental, que me impede de sentir a plenitude do sentir.
Tenho medo, de estar carregando uma enorme pedra sobre a cabeça. (Talvez seja por isso que me doem os braços.) Se descobrir que a minha cegueira me impediu de ver, então essa pedra cair-me-á sobre a cabeça e talvez me enterre de vez.
Tenho saudades de mim, de um tempo em que era apenas eu, com todo o tempo do mundo para mim. Um tempo parecido com o de agora, em que me construía ao abrigo dos outros, sem contudo estar plenamente ausente. Um tempo em que todo eu me construía e aprendia a conhecer-me. Suspenso das leis da gravidade, protegido e amado, submerso em líquido amniótico. Mas afinal, era na realidade submerso em mim...