05 dezembro 2003

Theo Logias


O império atravessava dias negros, e o Imperador receoso de que o cosmos desmorona-se procurava conselhos em todos os pontos da galáxia! Foi assim que ouvimos falar de Theo Logias, um homem que vivia numa velha estação espacial, convertida num rádio-farol junto á cintura de asteróides do Sistema Solar XV24. Era um local perigoso e raramente alguém ía até lá. Também não se pusera um rádio-farol ali apenas para decorar!
Corria a fama de que Theo Logias falava com o Deus Criador, o que tivera a ideia do Universo e por conseguinte nos originara a todos. O Imperador pensou que para os tempos negros que se atravessavam era um recurso que não se podia desperdiçar. Ordenou que o trouxessem, se o homem quisesse vir, porque queria saber o que devia fazer para evitar que tudo caísse nas trevas. O General Vladimir foi com as suas naves, e não voltou. Soubemos que se despedaçara num dos muitos asteróides á volta da estação espacial. Depois foi o Embaixador Ritto, também não voltou, um asteróide do tamanho de um punho bateu num dos depósitos de oxigénio e este explodiu. Diziam que tinham sido insolentes com Theo Logias, e que Deus os castigara. Não me admirava que tivessem sido insolentes, mas não acreditava que Deus os tivesse matado.
Ofereci-me para ir, e o Imperador dispensou-me das minhas funções no palácio.
O Sistema Solar XV24 fica longe de tudo e era um um sistema solar sem graça, como se fosse uma coisa simples e discreta no meio do cosmos, sem chamar á atenção. Pareceu-lhe adequado que assim fosse. Pediu permissão para aportar na estação espacial, onde estava instalado o rádio-farol.
-- Para que quer aportar? -- perguntaram de lá.
-- Pretendo falar com o Sr. Theo Logias.
-- E quem pretende falar com ele?
-- Um homem, apenas um homem...
Houve um longo silêncio, e depois a voz no rádio disse:
-- Muito bem, pode aportar. Porto Z01... e tenha cuidado com os malditos asteróides! É que nas operações de aportagem não podemos ligar os lasers para os destruir, estão por vossa conta!
-- Ok! Obrigado.
Chegámos até ao Porto Z01 naquelas estação espacial de 300kms de comprimento. Era um mundo em miniatura, e devia ter não mais de 2 milhões de habitantes. Era uma espécie de comunidade, há semelhança dos antigos mosteiros na Terra. Só que aqui vivam ambos os sexos. Diziam todos que o seu mentor era Theo Logias, mas nunca o tinham feito líder de coisa nenhuma. Teoricamente o Sistema Solar XV24 era súbdito do Imperador, mas ali, naquele longínquo lugar do espaço, o Sistema Solar era uma comunidade autónoma. Muito autónoma, sem governador ou comandante.
Um responsável do porto aproximou-se dele:
-- Bem-vindo!
-- Obrigado. Gostava de falar com o Sr. Theo Logias, seria possível?
O homem riu-se e encaminhou-o:
-- Ao menos o Sr, não exige falar com Theo Logias! Pergunta se é possível... Muito bem. O que faz?
-- Eu? Procuro o meu lugar no mundo... Mas no entretanto, trabalho para o Imperador...
O homem sorriu:
-- Não há muita gente á procura do seu lugar no mundo, acham que já têm um lugar e acomodam-se. Seja quem for Senhor, gosto da sua atitude e desejo que encontre o seu lugar.
-- Obrigado.
Tínhamos avançado até um pequeno veículo onde fui convidado a entrar, e onde ao fim de cerca de 15 minutos parámos no que me pareceu uma área residencial.
-- Theo Logias espera-o. Bata nessa porta... -- disse apontando uma porta de madeira. E foi-se embora.
Ficou a olhar a porta, há quanto tempo não via uma porta de madeira. Gostou daquela porta e bateu, como o homem dissera e ao bater a porta abriu-se... Estivera sempre aberta. Lá dentro havia uma luz suave, e havia um cheiro agradável, familiar, mas que não conseguiu definir muito bem.
Um homem desenvolto de cabelos brancos bem aparados sorria-lhe sentado a uma mesa simples.
-- Entre, não tenha receio. Sou Theo Logias e o Sr?
-- Obrigado por me receber, espero não incomodar...
-- Ora, uma visita nunca é um incómodo é um prazer!
-- Não sei bem se a minha presença deva ser encarada como uma visita...
-- Sim, eu sei, o Imperador mandou-o.
-- Não Sr. Theo, eu ofereci-me para vir.
-- Ainda não me disse o seu nome...
Fiquei pensativo, se o meu nome teria importância, se eu faria alguma diferença no caldeirão gigantesco do Universo.
-- Abakuk. Mas o meu nome não tem importância. Se calhar nenhum de nós tem importância...
Theo Logias sorriu-me:
-- De facto o Imperador mandou o homem certo!
-- Já lhe disse que o Imperador não me mandou, fui eu que me ofereci.
-- Mesmo assim. Sabe por que morreram os outros que vieram antes de si?
-- Há quem diga que Deus os matou, porque foram insolentes consigo.
O homem deu uma gargalhada e perguntou:
-- E o que acha Abakuk?
-- Acho que Deus teria muita gente para matar, se quisesse acabar com a insolência.
O homem sorriu e disse:
-- Tem razão amigo, tem razão. Não, não foi Deus quem os matou. Foram eles que na sua arrogância se mataram. Excesso de confiança! Aqui em XV24 isso é quase sempre mortal. Os asteróides não perdoam! Não foi por nada que puseram aqui o rádio-farol. Os que vieram antes de si, estavam cheios de pressa. Exigentes, arrogantes. Foi pena...
-- Talvez estivessem apenas com pressa... -- arrisquei.
-- Não amigo Abakuk. Queriam que eu lhes desse uma reputação. Que fizesse deles uns heróis aos olhos de alguém. Você não veio por isso.
-- Pois não...
-- Porque veio amigo Abakuk?
-- Dizem que fala com Deus...
-- Sim, e quer que eu fale com Ele, por si?
Baixei a cabeça, e depois olhei-o nos olhos:
-- Por mim? Não sou assim tão importante Sr. Theo, mas gostaria de descobrir se há um sentido nas coisas percebe? Se a vida tem sentido, se não é apenas um desperdício, um acaso, um acontecimento fortuito, como o nascer e morrer das estrelas, como se fosse um produto secundário, tal como os planetas...
-- Compreendo... E o que lhe parece?
-- Eu gosto de viver. Mesmo que o Império se torne cada vez mais negro, acho que viver ainda vale a pena. Preferia que fosse melhor, que fosse diferente, mas...
-- Quere saber o que optar, que caminho seguir, que escolhas, não é?
-- Acho que é isso, sim. Mas estou disposto a considerar outras coisas...
-- Incluindo a resposta para o Imperador?
-- Também isso, sim.
-- Apesar de tudo amigo, no fim o que conta mesmo são as nossas opções. Eu limito-me a transmitir o que Deus me transmite, não sou eu o originador da mensagem. Deus diz-nos as coisas e depois deixa que façamos as nossas opções, mesmo quando nos diz o que devíamos fazer, entende?
-- Creio que entendo...
-- Mas uma coisa é certa, Deus sempre acaba conseguindo o seu objectivo. Não há que ter medo, apenas confiar. Confia Nele?
Sorri:
-- Isso significa confiar em si, não é?
-- Um pouco. Mas posso dar-lhe um selo de garantia, de que o que digo vem Dele.
-- Como?
-- Digo-lhe que depois de lhe dizer a mensagem que deve transmitir de viva voz ao Imperador, passará a cintura de asteróides sem que mal nenhum lhe aconteça. É suficiente?
Sorri de novo:
-- Pelo menos garante-me que saio daqui com vida ao contrário dos outros. Mas também a minha vida não é o importante...
-- Tem razão. Mas ás vezes dizemos as coisas, sem percebermos bem a amplitude do que dizemos.
Estava a demorar ali. A conversa parecia não levar a lado nenhum, apenas andavamos em círculos e continuava sem nenhuma resposta. Talvez me tivesse enganado...
-- Podeis dizer-me a mensagem que devo transmitir ao Imperador?
-- Claro! A mensagem é esta e terá que ser você a dizê-la de viva voz, em plena sala do trono, perante todos...
Sentiu medo, sem perceber bem ainda porquê. E Theo Logias repetia:
-- "Abdica do trono em meu favor! É a única maneira de salvares o Império e a tua vida."
Um arrepio gelado percorreu todo o seu corpo.
-- Percebeste? -- perguntou Theo Logias segurando-lhe na mão.
-- Percebi... -- murmurei.
-- Agora vai...E confia!
Não se lembrava de como saíra da estação espacial, mas diziam os seus homens que os asteróides pareciam fugir á sua passagem. Na nave principal em que agora regressavam, pensava nas suas opções.
O Universo era um malho gigantesco a bater na sua cabeça.