10 fevereiro 2004

Quais são os teus valores?


-- Quais são os teus valores? -- perguntou o comandante para ele.
-- Não sei... Acho que numa guerra perdem--se os valores...
-- A tua causa então? -- insistiu o comandante.
-- Morrer. Por causa nenhuma...
-- Tu és um terrorista. Deves ter uma causa, ou és um mercenário?
-- Sou um homem. Perdido... Mas ainda assim um homem.
O comandante olhou o homem recém detido. Não havia provas de que estivesse envolvido em algum atentado, mas tinham encontrado material incriminatório. O homem parecia fazer parte de uma célula terrorista.
-- Quantos são vocês?
-- Menos do que vós, comandante, fique descansado. Somos uma minoria... Que nem sequer é respeitada...
-- Pra dizer a verdade, vocês é que não respeitam ninguém! -- descontrolou--se o comandante, na sua tentativa de parecer distante.
-- Compreendo... Mas como podia respeitar quem me ignorava?
-- Você não tem família? Já imaginou se num atentado estivesse a sua mãe? Não tem coração? -- tentou o comandante, num esforço por retomar o domínio da situação.
-- Tenho mãe... Ela morrerá de qualquer jeito comandante. Todos nós afinal. Deve haver qualquer coisa maior que as nossas vidas...
-- Ideais?
-- Esperança comandante, esperança...
-- E adquire--se à bomba essa esperança?
-- Quando os nossos gritos deixam de ser ouvidos, temos de ter quem grite por nós.
O comandante cerrou os punhos. Mas conteve--se.
-- E são os gritos dos inocentes que vocês fazem ouvir, não acha?
-- Não sei comandante... Às vezes penso que não há inocentes, porque continua tudo igual e há demasiado tempo...
-- O que quer dizer?
-- Que já tivemos tempo de por fim a toda a injustiça. Tempo para calar todos os gritos...
O comandante olhou para o chão. Também ele se lembrava de um tempo generoso, em que havia acreditado que podia transformar o mundo.

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