16 janeiro 2019

"Blues"

— Eu sei o que tu fizeste?
— E o meu amigo é louco?
— Porquê?
— Se sabe o que fiz, sabe o que faço. Se sabe o que faço, o que me impedirá de lhe abreviar a existência?
— Não sabes?
— O que não sei?
— Sou eu o teu criador, pá!
O diálogo prosseguia junto a uma piscina, do lado da prancha. Havia sete espreguiçadeiras, como há sete pecados mortais. Uns chapéus de sol, com cadeiras e mesa à volta, mas tudo vazio. A piscina estava cheia.
— Acho que não nos conhecemos da Escola, pois não? Como se atreve a tratar-me por tu? E tinha piada, já viu? Eu mataria o meu Criador. Isso faria de mim o quê?
— Um personagem morto.
— Morto? Como morto? Eu é que o mato!
— Pois sim! Mas quem é que manda na história? E se me conseguir matar, de morte morrida mesmo, quem continuará a sua vida?
Parecia quase lógico que a piscina tivesse o fundo azul e fosse no formato de uma viola eléctrica, apesar de não haver nenhuma estrela de rock presente. Talvez a ênfase devesse ser na associação da água e da electricidade e na respectiva consequência de misturar as duas coisas numa piscina. Um empurrão talvez…
— Mas eu preciso lá de si para continuar vivo?
— Claro que precisas! Fui eu que te criei!
— Não insista nesse tratamento por tu que me põe nervoso!
Talvez o azul da piscina se pudesse adjectivar de “eléctrico”.
— Ora, sou teu criador, trato-te como me apetecer!
— Querem lá ver, que tenho mesmo de lhe mostrar quem manda?
Em volta estava tudo vazio com os chapéus-de-sol a drapejar ao vento, mais ninguém a assistir nas mesas ou numa das sete espreguiçadeiras. À volta do recinto uma cerca de rede e lá fora o deserto. Talvez algo por construir.
— Não és capaz de me matar. Tenta lá!
— Isso agora parece uma infantilidade...
Talvez a piscina em forma de viola eléctrica.
— Ah! Vês como não és capaz!
O vento a varrer o chão, sem fazer ondinhas na água da piscina, azul. Quieto, tudo quieto, como num postal velho.


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