Tinha ido a uma festa de Don Vito Corleoni, um poderoso e influente empresário. Ao certo não sabia porque fora convidado, mas achava que talvez tivessem tirado o nome à sorte, para não serem sempre as mesmas caras nas festas. Ele trabalhava numa empresa e tinha certeza que Don Vito devia ter uma parte nela, ele que começara modestamente, um emigrado italiano, a trabalhar num negócio de lavandarias do tio. Diziam as más línguas que não lavavam apenas roupa suja... Mas já se sabe que os homens ricos despertam muitas invejas. Umas das coisas boas nas festas de Don Vito é que nada faltava, nem mesmo as mulheres bonitas, mas infelizmente raramente disponíveis e não esperava que nenhuma se interessasse por ele a não ser episodicamente durante a festa, para trocar meia dúzia de palavras amáveis ou ouvir uma piada das dele.
E de facto aquela festa correu-lhe bem, que uma engraçadinha depois de beber uns copos e trocarem algumas larachas o convidou a ir para o jardim que ficava nas traseiras. Afastaram-se da zona onde os criados ainda chegavam com as taças e os canapés e embrenharam-se para dentro da floresta até os ruídos da festa chegarem a eles de forma abafada. Ele quis aproximar-se dela, para ter um contacto físico, mas ela a cambalear ria e fugia dele, como se frustrá-lo no seu intento, fosse o seu objetcivo. Por momentos apeteceu-lhe espetar-lhe uma palmada no rabo, como se faz aos meninos irrequietos e parar com aquilo. Mas sabia lá quem ela era e que relações tinha com o Don Vito e podia muito bem meter-se numa “marmelada”.
Ouviram no meio de uns arbustos um restolhar e um balbuciar semelhante ao de um bebé. E ela fez-lhe sinal para que se calasse, ele que não abrira a boca desde que ali chegaram, na perspectiva de a abraçar e roubar um beijo e uns “amassos”. Mas escutou com mais atenção e sim lá estava o balbuciar de um bebé. Ele foi ver e encontrou no chão a gatinhar um lindo menino louro de olhos claros, depois soube que eram azuis, que ao vê-los gatinhou para eles com um sorriso de contente no rosto. Ela chegou logo junto dele e ao ver o bebé os seus instintos maternais foram activados e baixou-se para pegar o bebé. Mas este não devia estar pelos ajustes e espetou-lhe uma valente ferradela no braço que começou a largar sangue. Largou-o e ele correu para ela com um lenço para estancar o sangue. Enquanto tentava de alguma forma consolá-la, o fedelho aproximou-se de um dos seus tornozelos e espetou os dentes como agulhas numa ferradela que tinha a força e vontade de uma ferradela de tubarão. A sua reacção foi instintiva e com o outro pé livre espetou-lhe um pontapé. O fedelho rolou na grama e ao rebolão entrou no meio de uns arbustos.
Ela olhou-o com uma censura absoluta, e a sangrar do antebraço, mesmo assim correu para o meio dos arbustos à procura do bebé. Mas não estava lá nada. Ainda agora ali estava e apenas rebolara um bocadinho que o pontapé até nem fora forte e desaparecera! O miúdo não era leve que sentira o impacto, mas que desaparecera, desaparecera. Ela zangada com ele, pôs-se a bater-lhe no peito o que acabou por lhe sujar a camisa toda:
“És um assassino! Um monstro! Vai procurar o menino!” intimou ela com um grito histérico.
Não percebeu se foi por isso se não, mas surgiram dois indivíduos do meio da floresta e certamente não pareciam convidados da festa de Don Vito. Um deles vestia uma camisa de lenhador vermelha e um macacão, um gorro de lã na cabeça que devia ter sido cinzento e tinha umas barbas brancas farfalhudas que perguntou:
“Perderam-se os pombinhos na floresta?”
Ela deixou de lhe bater no peito e ficou a olhar para os dois homens e sem dizer nada foi recuando em direcção à casa e à festa.
“Não viram por aí o bebé?” perguntou ele, sem saber bem o que dizer.
Os homens riram-se. Um deles o das barbas respondeu:
“Os bebés não se perdem por aqui. Às vezes vêm fazê-los para aqui... Mas hoje não é o teu dia de sorte!” E riu-se. Ele olhou para trás e viu que a mulher corria para a festa com os sapatos altos na mão. “Se ele tivesse dado sorte, ainda fazíamos os três uma festa!” E voltou a rir.
“São empregados de Don Vito?” perguntou.
O mais novo, barba de dois dias aproximou-se dele e de um ápice encostou-lhe uma lâmina de faca afiada ao pescoço. “Quando disseres ‘Don Vito’ faz uma vénia ou faço-te uma gravata, “capisce”?”
“Não tinha intenção...”
E outro sacudindo-o e mantendo a faca perigosamente encostada na sua garganta perguntou-lhe:
“Mas houve lá ó pombo arrulhador, já te dei permissão para falares?”
O outro das barbas veio acalmá-lo:
“Deixa lá o convidado de Don Vito... Ir usufruir a festa, já que de mulheres não tem sorte nenhuma.” E riu-se. Parecia que sempre que dizia alguma coisa lhe dava vontade de rir e pensou que talvez fossem pobres mas alegres o que certamente seria uma vantagem de terem Don Vito por patrão. Insistiu com o companheiro:
“Vá lá, larga-o. Ainda se vai queixar a Don Vito e não queremos que ele se aborreça connosco...”
Sem uma palavra o mais novo largou-o e deixou de ter a faca encostada à garganta.
“Bem, desejo-vos uma boa noite...” disse ele sem saber o que dizer e a coçar a zona do pescoço onde a lâmina estivera encostada.
“Vá-se lá embora.” disse o das barbas brancas farfalhudas “E desculpe aqui o meu amigo...”
O amigo mais novo, pareceu rosnar e acrescentou mal-humorado:
“Cheira-me a preto... Com este casaco branco, aposto que é um preto disfarçado!”
O velho do gorro e das barbas, pôs-lhe o braço pelos ombros e arrastou-o para dentro da floresta e olhando para trás piscou-lhe o olho.
“Vamos, não vês que é um desses embonecados que Don Vito costuma convidar?”
Ele tratou de se afastar e deixar para trás os dois homens, ficando com uma sensação estranha daquela floresta. Agora não tinha muito a certeza do encontro com o bebé, apesar de ao olhar para a camisa esta estar toda ensanguentada. Será que tinha imaginado aquilo e se ferido nalgum arbusto espinhoso? Será que tinham metido alguma droga na bebida?
Quando chegou mais perto da festa, as pessoas afastavam-se dele. Ele presumiu que fosse por causa da camisa de sangue. Mas depois apareceu a mulher que tinha ido com ele acompanhada por uns seguranças e em choro convulsivo apontou para ele:
“Foi ele! Foi ele que matou o bebé!”
Os seguranças aproximaram-se dele e de forma polida mas firme pegaram nele e levaram-no para uma sala. Passados minutos entrou alguém na sala, e apresentou-se como o chefe da segurança:
“Quer explicar-nos o que se passou na floresta?”
Ele ficou meio sem saber por onde começar, mas decidiu pelo mais simples e verosímil:
“Cortámo-nos nuns arbustos da floresta. Aliás, ela cortou-se primeiro e ofereci-lhe o meu lenço para estancar o sangue, depois também me feri num tornozelo...”
Um dos assistentes, puxou-lhe a calça e verificou-lhe o tornozelo. A meia estava rasgada, coisa que ele nem sequer reparara e via-se através do rasgão a clara marca de uma mordida. O chefe de segurança mostrou-lhe o lenço dele e perguntou:
“É este o seu lenço?”
“Sim, é esse mesmo.”
“A mulher diz que havia um bebé.” afirmou o chefe da segurança esperando o comentário dele.
“Bom...” ele sorriu, “tenho de confessar que já tínhamos bebido bastante, pelo que se calhar imaginámos ver coisas...”
Fez um ligeiro esgar.
“Imaginar bebés, suponho.”
“Deve ter sido isso, sim”
Ele segredou qualquer coisa a outro assistente e depois dirigiu-se-lhe com o olhar firme enquanto falava:
“Não queremos estragar a festa de Don Vito. O Sr já não está em condições de estar na festa, a sua camisa está imunda. Um dos meus assistentes vai levá-lo a casa. Uma amabilidade de Don Vito, que escusa agradecer. Mas há uma coisa que gostaria que guardasse só para si: A de que há um bebé à solta na floresta. Se quiser dizer que encontrou uns caseiros e que estes tem cara de poucos amigos...” ele fez uma pausa, sorriu agradado e acrescentou “Isso até pode contar! Estamos combinados?” rematou ele estendendo a mão. Ele apertou-lha e sentiu o aperto firme, forte.
Depois acrescentou:
“E não se preocupe com a menina, nós tomamos conta dela...” E aí recebeu um sorriso de todos.
O caminho até casa foi silencioso, que o condutor era de poucas falas. Não sabia como o condutor sabia onde era a sua casa, mas quando chegaram lá, o condutor esperou que ele abrisse a porta do carro e saísse, depois sorriu-lhe e disse:
“Devias mudar de pardieiro, isto é um bairro de negros.”
Depois como viu que ele ficou calado, se calhar sentiu pena dele.
“Olha, tens aqui o meu cartão. Se quiseres um emprego melhor, que te leve daqui para fora, para uma vida melhor. Liga-me. Hei-de arranjar-te alguma coisa...”
Ele agradeceu e seguiu para casa.
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