09 outubro 2004

Chegou a minha hora!


-- Doutor, eu pressinto a morte!
-- Como assim?
Era um dos pacientes mais estranhos que tivera. Dizia ter premonições, saber quando uma pessoa ía morrer. Eu achava que ele tinha um problema em lidar com a morte, e aquela era apenas uma forma da sua psique lidar com a consciência da morte.
-- Sei quando uma pessoa vai morrer Dr.!
-- Já me contou isso várias vezes, mas repare, a morte é uma certeza tão grande que pode tratar-se apenas de coincidências, ou no extremo dos casos uma hipersensibilidade...
-- Não Dr, naõ é nada dessas tretas! Juro-lhe!
-- Ok. Eu acredito em si. Mas diga-me, como isso o afecta?
-- Não sei o que fazer Dr.! Devo avisar a pessoa ou não? Que raio de coisa devo fazer?
-- Não faça nada. Haja como se não tivesse esse poder.
O paciente riu-se.
-- Dr. todos nós temos o nosso dom! O do bom Dr é esse de lidar com pessoas que sofrem dos miolos como eu.
-- Tenha calma. Mas o que quer dizer com isso?
-- Sei lá o que quero dizer! Raios me partama, mais as suas malditas perguntas! Até parece que eu é que tenho o dom de resolver a coisa! Dr. meta na cabeça que eu não pedi este poder. Raios!
-- Ok, ok eu entendo isso...
-- Não entende nada Dr! Não percebe patavina do que se passa comigo, mas aprecio o esforço de me tentar ajudar a lidar com isto, mesmo na sua ignorância. Mas vamos pensar num situação hipotética, podemos?
-- Porque não?
-- Raios Dr, tá sempre a fazer perguntas! Será que não é capaz de dar uma resposta, sem ser na forma de uma perguntar?
Ele sentou-se na borda do sofáe pôs os cotovelos nos joelhos e olhou-me no olhos.
-- Vamos supor que eu sei que a próxima morte é o Dr. Gostava que eu lhe dissesse?
Parei a pensar, olhando para ele. Era óbvio que se tratava de uma manipulação. Qualquer resposta que lhe desse ir-me-ía envolver na sua fantasia. Mas não responder era negar acreditar nele e portanto quebrar a relação de confiança mútua. Via-me numa situação difícil.
-- Está muito pensativo Dr. Eu facilito-lhe a resposta! Iria querer saber. Sabe porquê?
-- Explica-me.
Ele sorriu, pareceu-me que lhe agradava a ideia de me poder explicar alguma coisa.
-- Em primeiro lugar, porque é um homem inteligente. Mesmo quenão acreditasse no que eu lhe dissesse, era uma informação preciosa. Segundo, mesmo não acreditando como diz o ditado: "Caldos de galinha e cautelas, nunca fizeram mal a ninguém!" Por isso mesmo sem acreditar, mesmo achando que sou um gajo completamente transtornado por um qualquer trauma de infância escutaria. Terceiro, eu pago-lhe pra me ouvir, portanto teria de ouvir!
Depois riu-se.
-- Consegue ter alguma premonição de morte neste momento?
Riu outravez. Depois calou-se. Fez um ar sério.
-- Diga-me Dr. acha que sou um tipo inteligente?
-- Sem dúvida.
-- E não acha que sabia que se contasse isto, achariam que eu não estava bom da cabeça?
-- Presumo que sim... -- mas não conseguia perceber onde ele queria levar o raciocínio.
-- Pois é Dr. tenho estas premonições há anos e nunca visitei nenhum psicologo por causa disso, porque havia de fazê-lo logo agora? Não se perguntou isso?
-- Achei que há sempre um tempo certo, para resolvermos os nossos problemas. Acho que você achou que este era o tempo certo.
-- Certo Dr!
Riu-se outra vez.
-- E sabe por que é agora o meu tem certo? Sabe porque desejava tanto que o Dr me provasse que estou doido? Ficaria feliz se me internasse Dr!
Eu percebi então e ele concluiu:
-- Chegou a minha hora Dr!

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