26 abril 2020

Uma outra vez, um outro tempo, no café em Damasco.



Agora pode trazer isso quantas vezes quiser. O problema é que ninguém vai ver. Lembra-se de quando viajava pelo país? Pois é bom que lembre, porque as memórias agora serão mais valiosas. Sabe o que é isto? Uma daquelas recordações turísticas que não servem para nada! Mas sabia que há gente dando fortunas por estes cacaréus? Enchendo vitrinas sofisticadas com isto… Quem havia de imaginar!

E lembra aquelas camisetas ou mesmo as t-shirts com dizeres como “I love Algarve”? Vendem-se muito bem lá fora. Mas há muita camiseta dessa chinesa. Eles fazem tudo o que você queira… Mas não tem o mesmo valor, além de que estão muito caras agora. Toda a gente aqui acha que os chineses devem pagar taxas altas sobre as suas exportações…

Não, não acho nada disso. Mas imbecis e oportunistas há em todo o lado. Além de que se queremos um carro em condições não há como ter de outro jeito, é comprar um chinês. Na Europa deixaram de os fabricar. Os europeus não têm dinheiro para isso e os ricos foram para onde podem gozar a sua riqueza. A única coisa que está funcionando na Europa é o turismo. E olhe só a ironia, turismo chinês! E o mais engraçado é que eles pagam a conservação dos monumentos, vêm visitá-los e ainda trazem o pessoal deles e as suas agências para mostrar o que é nosso. Tudo isso porque não querem contaminar ninguém, a mais absoluta condição de isolamento. Foi o que ficou da praga.

Faz lembrar quando os europeus iam fazer safaris em África, nunca sobrava grande coisa para o autóctone. Os ocidentais ficavam com tudo, até com as peles dos bichos ou as cabeças embalsamadas dos animais em extinção para enfeitar a sala de algum Lord! Mais tarde para decorar a casa de algum ricaço parolo americano.

Não fique triste. Eu tenho boas recordações e posso morrer em paz. Tenho pena por você, é como um italiano que já teve em Roma um dos expoentes da civilização, ou como os gregos, hoje autênticos terceiro-mundistas e que foram o berço da civilização ocidental! Isto tem a sua ironia, um mundo que roda e volta e rodar e com ele a roda da fortuna. Uns uma vez estão com sorte e outras… Bem, não precisa que lhe diga, porque está experimentando isso agora. Anime-se. Na roda do tempo nada é permanente e esta situação há-de mudar. E hão-de mudar as pedras do caminho, ficar gastas, e as montanhas serem rachadas por rios e as planícies crescerem e os oceanos secarem… Não pense nisso. Faz parte da natureza deste mundo. Um mundo engraçado, com criaturinhas a pensar que são deuses. E são, mas não têm grande poder apesar das ilusões todas.

Olhe, olhe aqui. Tenho este postal, que até tem selo e está escrito. Alguém esteve lá e o mandou para alguém. Um postal da Nazaré. Li sobre o lugar. Foi um sítio para surfistas radicais, as maiores ondas da Europa e do Mundo. Estimulou o turismo, apesar de que o lugar antes do surf já era turístico. Diziam que foi no monte, uma lenda, que um certo nobre devoto por protagonista. Andava no meio do nevoeiro a caçar um veado e perdeu-se sendo que a certa altura reconheceu o lugar percebendo estar na beira do precipício, uma falésia de mais de cem metros. Apelou a Nossa Senhora e eis que o cavalo estacou ali mesmo no penedo suspenso no vazio. A Humanidade gosta de contar histórias. Fazem de nós o que somos.

A minha grande curiosidade é só essa, que histórias contaremos? Em Damasco havia o costume de ter um contador de histórias nos cafés. Enquanto se bebia um café apreciava-se também uma história. Há poesia num costume assim. Apetecia-me escrever umas tantas histórias e fechá-las num cofre de pedra para que um dia as encontrassem e lessem… Sim eu sei, não saberiam lê-las, mesmo que se conservassem! A língua muda. Por isso é preciso estar sempre a inventar histórias…
Talvez em Damasco, num café, num outro tempo, ainda uma outra vez.

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