08 dezembro 2004

Perdoem-me


Já não me lembro de ti muito bem. Quer dizer que estás a morrer. As memórias de ti começam a ser qualquer coisa indistinta, uma névoa. Lamento. Porque te amei, como nunca amei mais ninguém. É triste quando morre a pessoa que amamos, mesmo que seja só nas nossas memórias.
Esquecer é apenas uma das características de ser moribundo. Talvez não sejas tu que morres quando te esqueço, mas eu que morro, porque sou eu que esqueço. Gostava tanto de ser eterno!
A vida são memórias, coisas frágeis. A nossa vida é o quê?
E quando dizemos que amamos, a que nos referimos efectivamente? Às memórias a que queremos ser fiéis? Trair é então não dar valor às memórias que temos? Menosprezá-las? E sendo as memórias a nossa vida, ao trair, menosprezamos a vida?
Meu Deus! É tão frágil ser humano!
E adulterar memórias? Conferir-lhes um sabor doce ou amargo? É trair também?
Perdoem-me a vontade de adoçar todas as memórias... Mas já nem sei bem o que recordo! Se a minha memória se a cópia que fiz delas, com os retoques necessários. Às vezes fico confuso... Penso que lembro uma coisa, e o que lembro não encaixa com as memórias dos outros, às vezes nem com as outras memórias que tenho. Talvez, à custa de procurar, de recordar, eu as tenha alterado em cada recordação. Necessito delas quando escrevo. Perdoem-me que me confunda em todas as palavras... Sou um mero viajante e andei muitos milhares de quilómetros. É natural que na velhice confunda os lugares e as pessoas. Que na ausência de memórias as invente e por isso julgue que sou uma pessoa, e talvez não seja. Seja apenas uma amálgama, uma baralhada de memórias em atropelo.
Perdoem-me a minha vida ser uma colagem!
Mas esta vida é mesmo a minha, metade inventada, metade por inventar. E até aí há transgressão! Quem inventa memórias cria a sua vida! É um criador a usurpar o Grande de a fazer. Somos nós a tomarmos iniciativas, decisões por conta própria. E depois, não criamos nada é apenas uma fantasia.
É tão frágil ser.
As coisas não são o que parecem, são antes as coisas que julgamos parecerem. E não me importo nada com isso. Porque tudo é mentira!
Perdoem-me que minta!

1 comentário:

Anónimo disse...

a tua forma de ser e de o demonstrar....gostei muito!
beijo
T.