17 janeiro 2004

Vítimas das feras


Era noite escura como bréu e chovia torrencialmente. O sargento Almeida, arfava não sei se apenas de nervosismo se tinha apanhado mesmo uma bala como dizia que tinha apanhado.
-- Porra, apanhei uma bala no cu! -- gemia o sargento Almeida.
-- Vire-se lá meu sargento... -- pediu o enfermeiro. -- Não se vê nada...
-- Como quer que se veja neste inferno escuro como breu, meu enfermeiro? -- comentou o soldado Alves.
-- Eu se fosse a vocês falava mais alto... -- gemeu o sargento. -- Assim eles podem vir acabar o trabalho...
A malta percebeu a mensagem e estabelecemos um perímetro de segurança.
-- Tenho a perna presa... -- queixou-se o sargento
O enfermeiro puxou-lhe as calças e com o soldado Alves a segurar a laterna examinou melhor.
-- Tem um cu lindo meu sargento, mas nada de sinal de bala...
-- Queres que te parta o nariz? -- Perguntou o sargento.
-- Caro sargento, antes isso que o meu sargento apanhar uma bala! Mas acho que não apanhou bala nenhuma, mas tem aqui uma mordedura de cobra!
-- De cobra? Raios partam a puta do bicho... -- praguejou o sargento.
-- Vou dar-lhe soro anti-ofídico e esperemos que dê certo.
-- Obrigado pelo optimismo... -- comentou o sargento.
Estava o enfermeiro José a picar o lindo cu do sargento quando pertíssimo, à direita da sua posição rebentou o matraquear de uma metralhadora ligeira.
O enfermeiro deitou-se sobre o sargento para o proteger, e sabe-se lá porque carga de água, nenhum homem da companhia disparou um tiro. Ainda bem! Para dispararem assim tão perto, de certeza que não sabiam que estávamos ali. Em silêncio os homens posicionaram-se e esperaram para a emboscada.
Mas a metralhadora calou-se e nunca mais deu pio. E o silêncio prolongou-se por horas. O sargento adormeceu, e estava com febre. Tínhamos de partir, não podíamos ficar ali à espera que morresse.
Em voz sussurrada ,o enfermeiro mandou improvisar uma maca. Colocaram nela o sargento e partiram com o medo na garganta, e o dedo nervoso no gatilho.
O dia começava a clarear e estavam todos exaustos e cansados. Era pouco provável que voltassem a atacar à luz do dia.
O soldado Alves que carregava o sargento atreveu-se a perguntar:
-- Como está ele enfermeiro?
O enfermeiro aproximou-se, apalpou-lhe o pulso.
-- Está morto soldado.
-- Morto meu sargento? Porra!
-- Sim, não tem pulso... -- confirmou o enfermeiro.
-- Isto é incrível enfermeiro! Um gajo vem prá guerra e morre de picada de cobra!
Os homens pararam. Tudo ficou em silêncio como se fosse uma homenagem.
O céu clareava de vermelho a nascente, o dia ía ser quente.
Puseram-se a caminho, e foram dar a uma picada.
-- Cuidado... -- disse alguém. -- Estes sacanas costumam minar as picadas!
Alguém arranjou uma vara e foi a picar o caminho na frente, e de repente surgindo de lugar nenhum um hipopótamo atacou o rapaz e estralhaçou-o em dois nas suas enormes mandíbulas! Dispararam todos por instinto quando viram que não havia nada a fazer.
-- Meu Deus! Isto é de loucos! Agora um hipopótamo?
Foi então que se ouviu a retaguarda um rugido medonho e gritos.
-- O Zeca foi apanhado por um leão!
-- Estamos feitos! -- disse o soldado Alves.
-- Calma! Tudo em passo de corrida...
-- Foi feitiço... -- disse alguém.
-- Qual feitiço, qual carapuça! -- disse o Luís -- É a maldita seca! Os animais andam tresloucados com a fome...
-- Pois! Somos vítimas das feras!