11 janeiro 2004

A Flor de Iridanis



No planeta Iridanis, existe uma flor. É uma flor extraordinária de singular beleza, de perfume delicado; o que por si só, já seria digno de nota. Mas a flor de Iridanis, que apenas se dá em Iridanis e em mais lugar nenhum do Universo, tem propriedades que mais nenhuma tem. O povo de Iridanis é feliz, sempre bem-humorado, sorridente, despreocupado. Em Iridanis a tristeza é fugaz, a ansiedade desconhecida. Tudo por causa das flores que aí existem.
Os cientistas estudaram-na e assemelham o seu efeito ao Prozac ou à cocaína, mas suspeitam que por estes princípios serem liberados de forma tão branda, perdem a sua toxicidade e não geram habituação. Não se conhecem nenhuns efeitos secundários desagradáveis ou nefastos.
Os puritanos acham que os habitantes de Iridanis andam sempre ‘pedrados’ e dessa maneira acham que eles são como os hippies dos anos 60. Só que perdoam-lhes o facto de nunca terem tido outra alternativa. Presumo que no entender dos puritanos, a falta de alternativas converte-se numa virtude.
Iridanis atraiu toda a espécie de infelizes à procura da felicidade, mesmo que sustentada a flores psicotrópicas. Abriram-se clínicas de bem-estar e há sempre alguém a lucrar com o que a natureza tão generosa, forneceu de graça. Para aqui vem todos os deprimidos crónicos, os que escaparam de tentativas de suicídio ou os que já não tinham outra alternativa. Aqui dão-se bem, aqui permanecem bem. Mas é só aqui.
Filósofos postulam, que este é verdadeiro paraíso, mas não sabem de que falam. Se isto fosse o paraíso, então o paraíso era um conjunto de infelizes ‘pedrados’, donde um drogado em ‘viagem’ encontrava o paraíso no caminho! Penso que é por isso também que os políticos à falta de melhor alternativa, querem legalizar o consumo. Além disso é a única forma de travar o afluxo para Iridanis, que já tem todas as rotas comerciais congestionadas.
Para aqui vêm também os moribundos, doentes com cancro terminal, ou então velhos que não esperam mais nada do que a morte. Os filhos trazem-nos para aqui, e acham que é tudo o que lhes devem. Embora estes velhos sorriam, nunca os vi rir, e nota-se-lhes nos olhos um negrume que nenhum perfume de flor pode mascarar.
Vim também.
Não sei bem em que categoria me colocar. Devo ser mais um infeliz apenas. Vim de boleia num cargueiro galáctico, a servir refeições a uma tripulação de broncos, que se divertiam a sujar o chão para eu ter que fazer. As humilhações porque passamos à procura da felicidade!
Em novo (agora estou na meia-idade), sempre me portei bem, como era de esperar na sociedade em que vivia. Não bebia em demasia, não fornicava, nem me meti em drogas. Mas também nunca me senti verdadeiramente feliz. É justo equilibrar os pratos da balança agora, embora saiba que os puritanos nunca me perdoarão! Eles acham que o sofrimento e a dor, expurgam a alma de pecados. Mas eu sei que a alma não existe. Por isso, conto passar os meus dias aqui, cheirando flores, como outros cheiram cocaína. Ficarei aqui como os infelizes em busca de felicidade, como os deprimidos ou os suicidas. Ficarei aqui como aqueles com cancro terminal, ou os que vêm de velho para morrer. Pelo menos sentir a felicidade, nem que seja por uns breves dias, ou meses, ou anos. No fundo está tudo muito bem feito.
Nunca digam que Deus é injusto.