24 dezembro 2003

A Ceia de Natal dos Cardeais



Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!

Todos os anos o cardeal António convida alguns cardeais seus conhecidos á sua residência, para a habitual ceia de Natal. Era uma ceia descontraída em que se falava sem pudor na língua, como se fosse uma enorme confissão. &Acute;s vezes chegava a ser desagradável, e daquela vez não foi excepção. Tudo começou com uma infeliz afirmação do cardeal Ricardo:
-- Sabem, o meu desejo maior era que um Natal, o Nosso Senhor viesse á Terra, e fosse a esses desgraçados sem abrigo, e os levasse para o seu seio!
-- Porra Ricardo, você e o Hitler estão ao mesmo nível de pensamento!
-- Ah Ah Ah -- riu o cardeal Marcos.
-- Além disso... -- continuou o cardeal Manuel, o mais novo e o mais destravado de língua -- Nosso Senhor num precisa de vir á Terra, está em todo lado!
O cardeal Marcos escangalhava-se a rir torcendo a sua gorda barriga junto á mesa, o que obrigou o criado (único e de confiança) a fazer uma exercício malabarístico para evitar entornar-lhe a sopa quente na barriga.
-- Desculpa aí amigo... -- disse o cardeal Marcos ao criado -- Mas olha lá, deixa a terrina, eu gosto de sopa. E vê se na próxima me cortas esse cabelo, está bem?
O criado fez uma vénia ligeira, deixou-lhe a terrina, e foi buscar outra pra servir os restantes.
O cardeal Rodrigo agastado com o cardeal Manuel fez contra-ataque:
-- Ao menos não roubo as esmolas, pra as ir gastar com putas!
-- Meus Senhores! Então? -- pediu conciliatório o cardeal António, anfitrião da ceia.
O cardeal Pedro, que já tinha bebido uns aperitivos com o estômago vazio comentou:
-- Antes ir ás putas que ser pederasta! -- e riu-se.
-- Os pederastas também so filhos do Senhor... -- comentou o cardeal Daniel.ã
-- Tendes razão! -- e rindo o cardeal Martinho acrescentou -- Ainda num sóis orfão!
-- A conversa tá a azedar...
-- É como esta sopa... -- disse o cardeal Marcos, que já esvaziara meia-terrina.
-- Num acha que comer tanto lhe faz mal? Depois fica mal dos intestinos... -- disse o cardeal Pedro.
-- E que interesse tem nos meus intestinos? Hein? -- disse o cardeal Marcos agastado. Detestava que lhe lembrassem que o seu maior pecado era o da gula. Mas desde que lera Pantugruel, ficara com o mal.
-- Ao cardeal Pedro só lhe interessa a ultima parte do trato intestinal! Eh eh eh... -- gracejou o cardeal Martinho.
-- Se faz favor, deixem-se de remoques, vai ser servido o prato de peixe... -- pediu conciliatório o cardeal António.
-- Ah ah ah! Há gente que não é carne, nem peixe... -- gracejou de novo o cardeal Martinho.
-- Tem razão amigo Martinho, estavamos a precisar de uma nova inquisição, para meter os hereges na ordem...
-- Irra cardeal Rodrigo, se eu acreditasse na reencarnação ía jurar que era o Torquemada! -- comentou com ironia mordaz o cardeal Manuel.
-- O cardeal Manuel, é que não compreende o bem que esses homens fizeram! -- deixou escapar o cardeal Rodrigo.
-- Comam o peixe... -- pediu o cardeal António.
-- Ó Rodrigo se não quiser o peixe, deixe pra mim... -- pediu o cardeal Marcos.
-- Eu dispenso o peixe, apesar de me parecer com excelente aspecto! Criado recolhe o meu peixe... olha podes dá-lo aos gatos. -- disse o cardeal Martinho.
-- Aos gatos?!! -- protestou o cardeal Marcos.
-- Tendes razão! -- disse o cardeal Daniel -- Com tantos pobres, e vai dar o peixe aos gatos!
-- Ora, o que disse Nosso Senhor? "Que pobres sempre teréis..."
-- E isso quer dizer o quê? -- perguntou o cardeal Manuel.
-- Que os pobres nunca hão-de acabar! -- concluiu o cardeal Martinho.
-- Você é um cínico é o que é­-protestou o cardeal Daniel. -- Já agora também deu o corpo dele pra matar a fome não?
-- Pois... Já vi, o peixe é pra cardeais e gatos, e os pobres que papem hóstias! -- comentou o cardeal Manuel.
O criado que sempre passara despercebido falou então:
-- Posso servir a carne?
Todos concentraram os olhares no criado, e como este estava mais perto do cardeal António, este reparou nas mãos do criado e perguntou:
-- Que é isso que tens nas mãos?
-- Até parecem estigmas! -- comentou o cardeal Manuel.
-- Que foi isso? -- voltou a interrogar o cardeal António.
O homem disse de modo simples:
-- Fui crucificado.
Riram-se!
-- Um criminoso a servir-nos a sopa... -- comentou o cardeal Martinho.
-- Mas foste crucificado aonde?
-- Em Jerusalém.
-- Ena! -- exclamou o cardeal Marcos.
-- Por quem?
-- Por vocês.
-- Por nós? Eh eh eh -- riu de modo escarninho o cardeal Marcos
-- Como te chamas, pobre homem?
-- Jesus...