02 fevereiro 2004

Representando


O corpo alterara-se, e estava em crer que a sua má disposição, que afinal toda a má disposição dos velhos se deve a um sentir um corpo velho. O nosso cérebro regista a decrepitude do corpo e não gosta, marca como falta de qualidade e sente saudades do corpo que já foi, cheio de vitalidade. Mas as saudades de um tempo mais viril, enchem-no de frustração.
Acresce a esta a tomada de consciência da vida que podia ter sido ao invés da vida que foi, e que é. E já nem sequer há tempo para dar um retoque. E com que pincelada corrigiríamos uma borrada?
Portanto, envelhecer só pode trazer rabugice. Ou então essa doce serenidade de quem se contenta com a sua sorte e fez as pazes com a vida. Esse alguém parte sem derrota, é mais uma rendição honrosa.
E descobrir que a vida foi gasta a amar quem não merecia? Quem não estimou o privilégio de o querermos dentro do coração? É apenas demolidor. Mas não deixa de ser bonito, como o pôr-do-sol que ao apagar o sol, tinta os céus em aguarelas gigantescas.
A despedida deve ser assim em tom de festa...
E porque não amar até ao fim? Será uma vingança sublime de tudo o que a vida nos fez pensar que perdemos. Podemos ser forçados a sair do palco, mas faremos isso com estilo, um drama de amor, ou amando, como heróis desconhecidos de um grande romance. Mas será nossa a última deixa.
Se te perguntarem:
-- Sentiu-se usado?
Pergunta em troca:
-- Sim, mas fui bem usado! -- e sorri.
A vida nunca é muito como gostaríamos que fosse, é mais como tem de ser. E neste tem de ser, devemos lembrar que é como uma peça de teatro, temos de respeitar o que escreveu o autor, por muito que nos apeteça improvisar!
Não, não falo de destino, estamos sempre a saltar entre peças. Umas vezes fazemos de bandido, outras de anjo. O que resta de verdadeiro? Nós.
Por isso devemos ir a rir, porque no fim, ainda estaremos a representar.
Nesta vida somos todos actores, mas as escolhas nem são muito variadas! Umas vezes somos pobres diabos, outras, diabos pobres. Nem toda a gente fica com os papéis principais ou a garota de estalo! Os heróis são poucos e regra geral são sempre os mesmos. A maioria não passa de figurantes, ou às vezes de figurões.
Pois se assim é, que antes de abandonar o palco o façamos com estilo, à nossa maneira. Um papel digno, não de alguém que sai vencido, mas alguém que deixa uma marca. E não há melhor marca, do que ficar no coração dos espectadores!
Quando morrer, quero deixar uma legião de fãs!

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