16 maio 2005

PANSPERMIA

Ele fora o último a chegar. Já deviam estar ali uma vintena de pessoas que se aglomeravam em pequenos grupos. Primeiro agrupavam-se por idiomas e depois cindiam-se em pequenos grupos que tentavam em vão compreender o que lhes acontecera. Era mais do que óbvio que nenhum deles tinha nenhuma explicação plenamente satisfatória.Felizmente percebia a maioria das línguas faladas ali e foi fácil fazer-se entender:
-- Presumo que igual a mim, não sabem porque estão aqui, não é?
Os diversos grupos calaram-se e olharam para ele, depois um um homenzinho baixinho e careca com o rosto afogueado dirigiu-se a ele numa espécie de inglês e fortemente furioso declarou:
-- É você seu imbecil, seu idiota! Sabe que me fez perder um negócio importantíssimo? Sabe seu idiota?! Vou processá-lo! De tal forma que se vai arrepender um milhão de vezes de me ter arruinado um negócio fantástico! Vou reduzi-lo a pó...
-- Acalme-se... Afinal ainda está vivo, podia nem ter essa sorte...
O homenzinho acalmou-se e compôs os óculos que lhe tinham tombado com a exaltação. Ele dirigiu-se a uma moça embrulhada numa toalha e com o cabelo completamente molhado.
-- Estava a tomar banho ou a secar-se quando aqui veio parar?
A moça olhou para ele algo constrangida e disse:
-- Tinha acabado de tomara banho e agarrava a toalha de banho quando me vi aqui...
-- E ninguém teve ainda decência de lhe emprestar roupa? Pegue, vista o meu casaco sempre fica mais confortável... Use a toalha como vestido...
Os homens em volta afastaram-se, mais por vergonha de não se terem lembrado do que por pudor. Um jovem aproximou-se e tirou a sua camisola comprida.
-- Talvez seja melhor usar isto...
-- Obrigado. – disse ele e entregou a camisola à moça.
Um senhor de meia idade aproximou-se dele e perguntou-lhe:
-- Tem alguma noção do que nos aconteceu?
-- Sim, tenho. Mas é bom esclarecer que não sou o responsável por isto...
As pessoas começaram a juntar-se a ele.
-- Então? – voltou a perguntar o homem de meia idade.
-- Não sei se já ouviram falar no princípio da incerteza de Heisenberg?
Alguns abanaram a cabeça em sinal afirmativo. Ele decidiu esclarecer:
-- Heisenberg foi um físico contemporâneo de Einstein. Ele postulou que é impossível saber o exacto lugar de uma partícula num determinado tempo e tudo o que podemos determinar são as probabilidades de uma dada partícula estar num dado lugar, num dado tempo. Einstein detestava esta ideia e tentou contrariá-la até ao último dia da sua vida sem conseguir. Mas foi a partir dela que se desenvolveu a mecânica quântica, e que foi possível termos computadores.
-- E que é que isso tem que ver com a nossa situação? – perguntou alguém.
-- Bem, talvez não tenha nada, mas talvez tenha... Seguindo o princípio da incerteza de Heisenberg há a possibilidade remota de as partículas que nos constituem estar aqui e no momento seguinte sabe-se lá onde!
-- Você é doido! – disse alguém.
-- É uma explicação... – disse outro – E até tem o mérito de ser científica!
-- Pode lá ser! – insistiu outra vez alguém.
-- Einstein também achava que tal ideia de Heisenberg era quase sacrílega. Ele disse que ‘Deus não brinca aos dados’. Portanto posso compreender a vossa incredulidade, o vosso espanto. Tentei encontrar uma explicação razoável, mas estou de mente aberta a outras...
Todos ficaram calados, e depois alguém perguntou:
-- Mas como pode ser? Então e porque não aconteceu com as pessoas que estavam ao meu lado, eu ía no metro a caminho do emprego e de repente pareceu que a luz faltou por um milionésimo de segundo e vi-me aqui! Porque não foi toda a carruagem trasportada para aqui com todos os passageiros?
-- Isso, -- disse ele – eu já não lhe sei explicar! Mas há uma função matemática que permite o caso da singularidade, é o Dirac!
-- Bem pensado! – disse alguém.
O homenzinho baixinho e careca, agora mais calmo decidiu voltar à carga:
-- Ó sabichão e como é que isso nos faz voltar para casa?
Ele riu-se:
-- Não faz!
O homem ficou lívido e repetiu:
-- Não faz?
-- Não. Acho que devíamos aceitar a prespectiva de que aqui é o nosso novo lar, o nosso novo mundo...
A moça a quem ele emprestara o casaco, agora vestida com a camisola do outro jovem e com a toalha a fazer de saia aproximou-se dele:
-- Acha que vamos mesmo ficar por aqui?
-- Não posso saber. Mas acho que devíamos encarar essa perspectiva. Devíamos dar-nos por felizes de estarmos vivos! Imaginem as probabilidades de isto acontecer! Acho que são maiores do que a quantidade de átmos no Universo!
-- Talvez seja um milagre de Deus! – disse outro.
-- Ou um programa televisivo de apanhados!
E ele lembrou:
-- Ela estava em casa a tomar banho, não creio que nenhum programa de apanhados pudesse trazê-la para aqui. – e virando-se para ela – Estamos nalguma programa de ‘apanhados’?
A moça começou a chorar e ele abraçou-a.
-- Acalme-se, vai ver que ainda nos havemos de sair muito bem...
A notícia espalhou-se como um fogo aceso numa estepe abrasada. Estavam todos ali, como se tivessem acabado de sair da arca de Noé. Era um Mundo Novo e não tinham a mínima pista de que mundo era, como era. Tudo para descobrir. Descobrirem-se acima de tudo, perceberem o que eram capazes de fazer ou de originar. E ele voltou a falar:
-- Já que temos um mundo novo por nossa conta, acho que seria razoável, sensato, inteligente, não fazer deste uma cópia do outro.Devíamos tentar pelo menos, não repetir os erros que cometemos no outro...
-- Ai sim? Querem lá ver que vais ser tu quem nos vai governar não?
-- Eu não. – disse ele – Hão-de descobrir maneira de se governarem.
E ele partiu numa direcção qualquer. Todas eram boas, ou más.
O homem de meia idade seguiu-o, e a moça e o jovem.
O homem de meia idade perguntou-lhe:
-- Não se importa que vá consigo?
-- Claro que não! – E sorriu.
-- Sabe... – disse o homem – Talvez seja assim que a vida se espalhe pelo Universo!
Ele sorriu:
-- Não sei, mas é uma hipótese...
A moça aproximou-se:
-- Serão os nossos filhos a povoar este mundo
Ele sorriu de novo:
-- É outra hipótese.
O jovem que dera a camisola à moça como se tivesse recordado de algo gritou:
-- Panspermia!

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