O Bar
Gostava de ir por aí ao acaso, nesta noite morna, como se pronunciasse uma tempestade que acaba por tardar, enganando-nos na expectativa de que nunca mais chega. Iria por aí, na esperança de encontrar um bar calmo e sério, ondes as pessoas mergulhassem sobre si próprias ao invés de nos copos, no fumo ou no barulho.
Também pediria qualquer coisa para enfiar pelas goelas abaixo, num pretexto para me por a olhar à volta. Sei que hoje, ao invés de engolir tenho que despejar. Há alturas na vida da gente, em que temos que abrir o nosso saco, e despejar todo o vento que trazemos cá dentro a sufocar-nos...
Vou olhar à minha volta nesse bar maravilhoso, em que por certo, encontraria uma alma pura e cândida desejosa de ouvir. Alguém com toneladas de paciência, e outras tantas de encanto. Alguém que quando paramos para tomar folêgo, ou quando por ventura nos calarmos na dúvida cruel de se estaremos a ser entendidos, esse alguém nos diga com ternura:
“Vindo até aqui, não te deixes prender nesse medo de que não escuto. Quero ouvir tudo até ao fim, até á última sílaba do teu íntimo. Quero que te desnudes sem medo, que eu me choque, ou te ridicularize. Agora, quero apenas ouvir-te. E depois se for caso disso, falar o que acho que te devo dizer...”
E a alma canta e esparrama-se na mesa desse local mágico onde nos sentamos a comungar uma bêbida, e o resto, todos o srestos dentro de nós, e que arrastamos até aquela margem. Terei de sorrir necessariamente depois de ouvir palavras assim, e estender a minha mão, e esperar que alguém a agarre, como a dizer: “Agora está tudo bem, continua...”
E falarei até passar da meia-noite, sendo que para nós não haverá noite. Não importará sequer que horas serão, embora todos os minutos desse tempo, sejam os mais preciosos de toda a minha vida. Falarei dos meus medos, das minhas dúvidas, das minhas tristezas e abandono e desistência. Inventarei filosofias e desculpas, culpas e remorsos, eu sei lá! E em cada palavra sussurrada e tremente, lembrando um soluço, sentirei a minha mão a ser apertada com força, e sem palavras, saberei que posso continuar a despejar todo o fel que me envenena as entranhas. Oh! Como vai ser bom falar assim! Despejar tudo até ficar vazio...
Pedirei de novo uma bêbida, mais forte do que a primeira, que tudo o que ficou vazio precisa ser cheio. E haverá um sorriso no fundo do copo. Talvez eu sorria também, por reflexo. Que importância tem? E naquele sorriso estarão escritas as palavras: “Dai vinho ao amargurado de alma...”
E vou rir, de alegria, mas mais de nervosismo, que sobre mim há uma nuvem. Com os olhos fixos no fundo do copo, vou agradecer a paciência de quem me escutou, e depois levanto-me e desejo boa-noite, porque sairei apesar de tudo, muito antes da madrugada. Ficará a lembrança de que falei tudo, e estou aliviado, e posso continuar de pé, por mais um tempo. Pagarei a despesa na saída, um último sorriso ao ouvinte compassivo, e ao sair e apanhar o ar agora frio da noite, pensar:
“Ora bolas. Amanhã é outro dia...”
E voltarei a encher o saco de vento, de folhas, de palavras e imagens. E entre tudo isso, aquela coisa que guardarei como uma jóia, o rosto de alguém que escutou.
Saberás por ventura onde fica esse tal lugar?