17 julho 2004


alma negra Posted by Hello

Alma Negra



-- Olá, bom dia! Já se perguntou quando o sofrimento vai ter fim?
Olhei o moço jovem, engravatado e sorridente, ao seu lado uma senhora de cabelos brancos, um sorriso meio triste acompanhava-o. Era habitual fazerem as suas visitas, falando de uma esperança que asseguravam firme, tão firme quanto seguravam as Escrituras na mão. Nunca tinham falado comigo. Não porque me excluíssem, mas porque eu me excluía. Mas naquele dia, não sei porquê, a melancolia batera-me forte e precisava de expelir a raiva e a frustração. Sentia-me forte o suficiente para estilhaçar todas as esperanças e pintar o mundo e arredores do negro mais negro que se podia imaginar.
-- O sofrimento acaba, quando se morre, meu jovem. Mas acima de tudo parece-me que ninguém está interessado em acabar com ele... – respondi eu pronto a trazer ao de cimo todo o negrume que me inundava a alma. E o jovem continuou:
-- O senhor estaria interessado em acabar com ele? Se estivesse ao seu alcance?
A pergunta bateu-me com mais força que um murro. Eu que desejava apenas deixar sair o meu azedume, a minha dor, o meu desespero, eu que me procurava para destruir o mundo, via-me confrontado com a pergunta básica! Tão básica, que foi como uma punhalada! Será que eu queria acabar com o sofrimento? Olhei o moço atordoado, a velhinha olhava de olhar ausente, como se visse coisas para além de mim, como se o meu corpo fosse transparente ou eu nem sequer estivesse ali.
Respirei fundo e fui sincero:
-- Não sei...
O moço fez uma pausa e olhou-me. Vi naqueles olhos jovens mais do que apenas um olhar de quem espera uma resposta. Ele procurava a minha alma, a minha alma afundada no fundo do poço, inteiramente negra. Desviei o olhar e ele disse-me:
-- Gostava de lhe ler uma coisa...
E antes que pudesse reclamar, os seus dedos ágeis abriram a Bíblia e ele disse:
-- Está aqui, no livro de Jó capitulo 14 e no versículo 1 e 2, e diz: “O homem, nascido de mulher, é de vida curta e está empanturrado de agitação. Como a flor, ele brota e é cortado, e foge como a sombra e não permanece em existência.”
Depois de ler fez nova pausa olhou-me e comentou:
-- Talvez concorde com estas palavras...
Como eu concordava com essas palavras! Sim a palavra certa era “empanturrado” como se a vida e todas as suas experiências nos tivessem sido forçadas pela goela abaixo, como se forçam os gansos a comer para fazer foie gras.
E o jovem continuou. A velhinha tinha acompanhado a leitura sem dizer uma palavra e deixara de sorrir. Talvez também ela estivesse “empanturrada” com a vida e apenas desejasse outra e buscasse uma esperança.
-- Sabia que Deus não nos fez para viver debaixo das actuais condições?
Vi uma oportunidade de deixar sair a minha alma negra:
-- Pois, se calhar nem nos fez pra viver! É por isso que todas as esperanças que nos dá, são sempre no futuro e como vê o único futuro certo é a morte!
O jovem continuou:
-- Sim, mas a Bíblia dá-nos uma esperança de que a morte será vencida...
Ri-me, muito mais por desespero do que por menosprezo. Para mim a vida eterna era um sonho, era como o acreditar no Pai Natal. Foi então que a velhinha abandonou o seu olhar distante e me olhou nos olhos, com um sorriso que percebi era todo feito de ternura e compreensão, e ela disse:
-- A sua alma é negra, mas não de maldade, consigo ver isso! O senhor tem um coração bom. Mas de tão bom está muito magoado... Magoado pelo sofrimento que vê nos outros, pelas injustiças, pelo egoísmo. A sua alma está negra porque está toda pisada!



engrenagem Posted by Hello

Rapariga Atarefada com a Vida



Corremos. Passamos toda uma vida a correr como se a felicidade fosse um atleta profissional da maratona e a vida tivesse como objectivo alcançá-la.
O problema é que levamos sempre demasiado peso, coisas desnecessárias que alguém no caminho nos convenceu a levar com o engano de que seria mais fácil. Mas é engano.
O peso acumula-se e torna os nossos passos mais curtos, mais lentos e a felicidade toma avanço.
Às vezes parece que o avanço é tão grande, mas tão grande, que nem vale mais a pena! Deixamos de a ver, de acreditar. Ficamos para ali parados naquele triste abandono.
E às vezes, chega um companheiro, um sorriso, uma esperança. Até pensamos que é a felicidade que veio ao nosso encontro. Mas não há felicidade no que nos alcança. A felicidade alcança-se, não chega sem esforço, não vem de borla.
Por isso é que os príncipes encantados vêm disfarçados de sapos que é preciso beijar. Ou os génios que satisfazem desejos, escondem-se em garrafas que é preciso esfregar para os convencer a sair.
E tu rapariga? Que labuta é a tua? Carregas coisas, ou corres atarefada atrás da felicidade?